quinta-feira, 3 de março de 2011

5ª Coluna: Quando Bernie abre a boca, leiam nas entrelinhas

Quando estudava Jornalismo em Coimbra, o meu trabalho de final de curso tinha a ver com as campanhas eleitorais, e uma experssão que ouvira na altura: a "corrida de cavalos". Isso serviu para descrever o tratamento que a imprensa fazia das campanhas presidenciais nos Estados Unidos ao longo dos últimos 40 anos. As declarações do dia para a imprensa eram o alvo principal, pois os jornalistas que acompanham essas caravanas, independentemente de seguir o candidato, captam tudo vindo dessas pessoas e de quem estava à sua volta e publicariam no dia seguinte ou na hora seguinte, independentemente do meio que usavam. E aquilo que eles diziam no "calor da batalha" eram dissecados por jornalistas e analistas que com um ar algo professoral, tentavam adivinhar as consequências das tais "frases do dia". Ou como se diz no The Daily Show, o "momento zen".

Hoje em dia, nos tempos da Internet, das redes sociais e dos canais de noticias 24 horas, qualquer coisa que se diz num momento tem impacto na hora seguinte, numa rapidez que muitas vezes roça o rídiculo e que muitas vezes me faz lembrar a famosa frase "a pressa è inimiga da perfeição. Mas há quem usa os meios de comunicação social para passar a sua mensagem, por mais disparatada que seja. No mundo da Formula 1, Bernie Ecclestone é um deles, e apesar de muitas vezes as suas mensagens parecem ridiculas, no final quem se ri... é ele.

A última declaração dele parece à primeira vista idiota e fora de contexto. A sua ideia de colocar repuxos nas bermas para molhar a pista nas vinte voltas finais de cada Grande Prémio para a tornar artificialmente molhada, logo, articialmente emocionante, parece uma ideia tirada de um daqueles combates de luta livre, que muitos sabem ser artificial, só para o espetáculo. E claro, muitos disseram que é mais um disparate de um velho gagá com 80 anos. Mas se todos riram das declarações do velho anão, há algumas ideias por detrás disso, mais sérias.

A primeira li anteontem no Blog do Ico, do Luiz Fernando Ramos. Aí, ele afirma que tudo isto tem a ver com a simples luta pelo poder. E essa "luta pelo poder" tem a ver com o aptecivel bolo que ele consegue com as receitas televisivas, publicidade estática e claro, aquilo que os vinte paises pagam a ele para receber a formula 1, um bolo que deve andar à volta dos 800 a mil milhões de dólares, do qual a FOM leva 50 por cento, e por portas e janelas travessas, Ecclestone embolsa dezenas de milhões de dólares por ano. Todos sabemos que esse bolo é apetecível e sabemos também que ele não morre de amores pela organização das equipas, a FOTA. O que não sabia ou não estava á espera era que Ecclestone tem outro adversário chamado... Jean Todt.

A sua "agenda escondida", digamos assim, tem a ver com a reorganização da Formula 1 em certas áreas, como o calendário e as regras. A entrada dos motores Turbo em 2013, com um padrão para todos (1.6 turbo, para WTCC, WRC e Formula 1) Idealmente, quer desfazer o centenário contrato que Ecclestone assinou com o seu antecessor no qual ele ficou a ser o dono do jogo mesmo depois da sua morte, enquanto que no lado das equipas, estas quererão mais um pedaço grande do bolo referido anteriormente. Para eles, o ideial seria ficar com 85 por cento desse dinheiro, com a FOM a receber os restantes 15 por cento.

Ecclestone, como é óbvio, não quer isso. Não quer perder dinheiro, quer ser ele a mandar no "show" e ser ele a embolsar o famoso 50+1 e a ter poder de dizer onde é que vamos correr e quando, daí que hoje em dia se invista forte e feio na Ásia, porque se convenceu que "ali é o futuro". Ora, se nada for feito, dentro de dois a três anos, Ecclestone irá exigir 60 ou 70 milhões de dólares por ano e a maior parte dos paises pura e simplesmente dirão "não queremos mais a Formula 1 porque não temos dinheiro". Ecclestone ainda julga que basta encontrar mais um país disposto a pagar os seus preços. Mas quem iria pagar isso? Cazaquistão? Quem adivinharia há três meses que o Médio Oriente e o Norte de África estaria prestes a entrar a ferro e a fogo?

A segunda ideia apareceu ontem no Faster F1, o blog da Julianne Cerasoli. E complementa a primeira, no sentido de que outro dos seus criticos, o tricampeão do mundo Jackie Stewart, ter escrito no sabado passado no britânico Daily Telegraph um artigo a atacar fortemente os circuitos desenhados por Hermann Tilke, que como todos sabem, são demasiado aborrecidos e não permitem muitas ultrapassagens. E como também sabem, Ecclestone faz questão que todas as novas pistas do calendário sejam desenhadas por ele, em regime de monopólio.

E depois, como grande "fazedor de noticias" que é, sabendo que a Formula 1 foi adiada em mais duas semanas para Melbourne (e curiosamente, quando a Formula 1 arrancar no mesmo fim de semana, será no mesma altura do Rali de Portugal... a terceira prova do campeonato WRC), e os testes foram adiados em mais uns dias, haveria uma seca de noticias sobre a categoria máxima do automobilismo. Assim sendo, chamou os jornalistas do www.formula1.com, manda o "soundbyte" da semana e... voilá, temos assunto para comentar por uns dias.

Em suma, todo este escarecéu é porque Bernie Ecclestone quer aqueles 40 milhões, dê onde der. Se tiver de marcar a corrida para agosto, às duas da tarde, com 45 graus de temperatura e com espetadores, pilotos e mecânicos a desmaiarem, ele marca. Não lhe interessa as queixas dos funcionários, espectadores, pilotos ou mecânicos. É o dono do circo e neste momento tem um abacaxi nas mãos que quer resolver, dê por onde der: sabe que uma corrida a menos significa perdas superiores que aqueles 40 milhões que deixou de receber agora por causa do cancelamento devido à agitação social na pequena ilha do Golfo Pérsico. Todos os contratos com as televisões e patrocinadores, entre outros, foram feitos com vinte corridas em mente. E sabe que se não conseguir marcar essa corrida noutra altura do ano, os seus adversários espreitarão para essa "fraqueza", como Jean Todt...

Da proxima vez que ouvirmos Bernie Ecclestone a dizer "disparates", oiçam-no mais algumas vezes e com maior atenção. Muito provavelmente, o conteúdo e o destinatário da mensagem seja outro...

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