A edição de hoje do jornal português Público tem uma entrevista interessante à primeira mulher que correu oficialmente na Formula 1, a italiana Maria Teresa de Fillipis. Atualmente com 85 anos, e apesar de ter corrido em apenas cinco Grandes Prémios em 1958 e 59, ela é hoje em dia uma pessoa altamente respeitada por não só ter sido uma pioneira, como também por ter afrontado o machismo presente nos dias de então - e ainda hoje, de uma certa forma.
A sua estreia na Formula 1 foi no Grande Prémio do Mónaco de 1958, a bordo de um Maserati 250 inscrita por ela própria, apesar de algumas corridas depois, em Portugal, tenha-se inscrito com o mesmo modelo, mas pela Scuderia Centro-Sud. O seu melhor resultado tinha acontecido na corrida anterior, um décimo lugar no GP da Belgica. Hoje em dia, quase surda, mas determinada como sempre, é uma das representantes da Associação dos antigos Pilotos de Formula 1, e continua a admirar dois pilotos: Juan Manuel Fangio e Ayrton Senna.
A PRIMEIRA MULHER CHGOU À FORMULA 1 POR CAUSA DE UMA APOSTA ENTRE IRMÃOS
Hugo Daniel Sousa
A história da Fórmula 1 tem um capítulo muito pequeno reservado às mulheres. Poucas tiveram a oportunidade (ou a ousadia ou a capacidade ou seja o que for) de conduzir um carro no mais importante campeonato automobilístico do mundo. A pioneira foi uma italiana, Maria Teresa de Filippis, que no fim-de-semana esteve em Portugal, a participar no Algarve Historic Festival, um encontro dedicado aos clássicos da F1.
Maria Teresa, que completa 85 anos em Novembro, é uma mulher de cabelos brancos que volta agora a Portugal, um país que tem um lugar especial na sua carreira de piloto. É que foi no circuito da Boavista, no Porto, que realizou a segunda das suas três corridas na Fórmula 1, em Agosto de 1958.
“Lembro-me que era um circuito muito difícil e perigoso. Tive um acidente tremendo, porque choquei contra um poste de iluminação”, recorda Maria Teresa de Filippis, que fala ao PÚBLICO por telefone e com o marido, Theo Huschek, a servir de intermediário. Não só por causa da língua, mas acima de tudo pelas dificuldades auditivas desta ex-piloto, que perdeu a audição num dos ouvidos desde os tempos em que fazia corridas de automóveis. “Ela não só não ouve muito bem, como só ouve o que quer”, brinca o marido, dando razão aos que falam de uma mulher com personalidade forte.
Essa forma de estar na vida, aliás, é em boa parte a explicação de ter sido pioneira num mundo que antes, durante e após a sua passagem pela Fórmula 1 sempre foi dominado por homens. “Ela começou a correr por causa dos irmãos. Um deles disse que ela só era boa a andar de cavalo e outro dizia que ela também seria boa nos carros. Por isso, fizeram uma aposta. Ela entrou numa corrida com o carro da família e ficou em segundo logo na primeira corrida, em Cava dei Tirreni. Na semana seguinte, ganhou uma corrida e decidiu que era o seu futuro”, conta Theo Huschek.
Aos 22 anos, Maria Teresa começava o percurso que a levaria, algum tempo depois, a abrir uma página inédita na história da Fórmula 1. Em 1958, esteve no Mónaco mas não conseguiu a qualificação para o Grande Prémio. Poucas semanas depois, voltou a tentar a sorte na Bélgica, onde ficaria no 10.º lugar, numa corrida em que grandes pilotos, como Jack Brabham, Graham Hill e Stirling Moss, não chegaram ao fim. Foi a primeira vez que uma mulher terminou uma corrida na F1. De Filippis esteve depois em Portugal e em Itália, onde (sempre ao volante de um Maserati 250 F) não chegou ao fim. E, pelo meio, viveu “um dos momentos mais tristes” da sua vida.
A RECUSA MACHISTA
Tudo aconteceu no Grande Prémio de França de 1958, para o qual a Maserati a inscreveu. “O director, Toto Roche, recusou a participação dela, por ser mulher. Toto Roche foi à conferência de imprensa, mostrou uma grande fotografia da Maria Teresa e disse: 'Uma jovem tão bonita como esta não deve usar nenhum capacete a não ser o secador do cabeleireiro.' Quando soube, ela ficou furiosa e disse que se o tivesse à frente o teria esmurrado”, conta o marido da italiana, uma mulher de uma família rica de Nápoles que nunca aceitou ordens fosse de quem fosse.
“Maria Teresa é de uma família extremamente rica do Sul de Itália e sempre foi educada segundo a ideia de que ninguém no mundo podia dizer fosse o que fosse a um De Filippis. Por isso é que ela nunca correu pela Ferrari, porque nunca quis ser mandada”, conta Theo.
Il pilotino, como ficou conhecida em Itália, desistiu da Fórmula 1 logo em 1959, um ano depois de entrar. E a explicação é muito simples: cansou-se de ver os amigos morrerem. “Naquela altura os pilotos eram todos amigos, quase como uma família. Não é como hoje”, afirma o marido. “Ela parou porque, em 1959, o Jean Behra morreu em Avus [Alemanha] num carro em que a Maria Teresa devia correr. Depois disso, deixou as corridas e dedicou-se à família”, conta Theo, que conheceu a senhora De Filippis precisamente nas corridas de automóveis, quando era apenas um fã como outro qualquer.
Depois de Maria Teresa, apenas mais uma mulher logrou participar numa corrida de Fórmula 1 [Lella Lombardi] e outras três estiveram em sessões de qualificação [Desireé Wilson, Divina Galica e Giovanna Amati]. Mas porque será que a competição não atraiu mais mulheres? “Costumo dizer que quando se olha para os pilotos e se vê os pescoços musculados deles, nenhuma mulher quer ser assim. Isso pode ser uma explicação, mas não tenho a certeza”, responde De Filippis, admitindo que as mulheres “estranhamente” também nunca tiveram grande apoio dos patrocinadores.
Maria Teresa continua ligada ao automobilismo (é vice-presidente da Associação de Antigos Pilotos da F1), mas já não acompanha muito a modalidade. Os seus heróis são Fangio e Senna e não tanto Alonso e Vettel, até porque a tecnologia da actualidade lhe faz alguma confusão. “Ela pergunta-se como é que os rapazes conseguem lidar com aqueles botões todos [no volante do carro de Fórmula 1]. Às vezes, tem a sensação de que não são eles a conduzir o carro, mas sim o carro a conduzir os pilotos”, conclui Theo, fã número um da senhora Fórmula 1. “É difícil explicar quão especial ela é.”
1 comentário:
Nossa, excelente! Parabéns ao jornalista que escreveu o artigo.
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