sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Os sessenta anos do primeiro título de Juan Manuel Fangio

É bom saber que muitos se recordaram que dia é este. E não falo só dos "petrolheads" de pelotão, como eu, falo também da muita gente que percebe da dimensão de um grande piloto que foi Juan Manuel Fangio, "el Chueco" ou "el Maestro", como era chamado pelos seus fãs e admiradores. E como este seu primeiro título, ao serviço da Alfa Romeo, aconteceu no ano do seu centenário, eu já tinha antecipado este dia quando o escrevi no passado mês de junho, numa série de artigos feitos por altura das comemorações do centenário do seu nascimento.

Uma das razões porque gosto de ler o jornal "i" é porque de quando em quando se lembram de Formula 1, especialmente do passado e dos grandes pilotos que passaram por lá. E as suas entrevistas são muitas vezes memoráveis. Se na quarta-feira coloquei a entrevista que o jornal Público fez a Maria Teresa de Fillipis, hoje é a vez do jornalista Rui Miguel Tovar falar com Ethel Fangio, a sobrinha de "El Chueco" para que desse as suas impressões sobre o seu tio famoso. E é iso que coloco agora por aqui.

ETHEL FANGIO: "QUANDO O SENNA MORREU, DEIXOU DE VER F1 NA TELEVISÃO"

Por Rui Miguel Tovar, publicado em 28 Out 2011

Juan Manuel Fangio é pentacampeão mundial e o seu primeiro título faz hoje 60 anos. O i falou com a sobrinha do piloto num telefonema notável

Diego Maradona, cinco Mundiais, um título. Lionel Messi, dois Mundiais, nenhum título. Juan Manuel Fangio, oito Mundiais, cinco títulos, o primeiro deles há precisamente 60 anos no GP Espanha de Fórmula 1. Mas há dúvidas sobre quem foi o melhor desportista argentino de todos os tempos? Fangio, verdad?

O penta de Fangio, batido pelo alemão Michael Schumacher em 2003, é mais incrível ainda porque o argentino ganha os títulos por quatro marcas (Alfa Romeo-1951, Mercedes-1954, Mercedes-1955, Ferrari-1956 e Maserati-1957), um feito inigualável e só alcance de um fora de série. O i está em Buenos Aires e quer visitar o museu do piloto em Balcarce, onde Fangio nasce em 1911. Primeiro entra em contacto com Ethel Ruth Fangio, a sobrinha de Juan Manuel e conselheira honorária da Fundação Fangio. Prepare-se porque o telefonema é longo e emocionante e percorre gerações numa história especial.

Sou a filha de José Fangio, o irmão mais velho dos Fangio. Comigo Juan tinha uma relação especial, porque a relação dele com o meu pai era muito, muito, muito especial. Os dois davam-se muito e cuidavam dos pais com um amor e uma ternura fascinantes. Quando o pai morreu, Juan recebeu o golpe mais duro da sua vida e foi ficando doente, ao ponto de ter tido o primeiro enfarte.

Ethel não pára, é incansável. A voz não lhe falha uma única vez mas os níveis sobem e descem consoante a situação de que nos fala. “Juan viveu comigo e com o meu marido, Gustavo González Nogueira, durante 44 anos, numa casa na Avenida Caseros, em Palermo, Buenos Aires, onde a família ainda vive. Éramos todos muito unidos, mas Juan gostava especialmente de mim. Um dia Juan diz-me 'tenho umas malas no hotel mas aquilo não me dá confiança, posso trazê-las?’.’ Disse-lhe que sim e que até podia viver connosco. Ele declinou amigavelmente, que seria só por umas noites, até encontrar uma casa. Quando chegou a casa já lhe tinha preparado um quarto como fosse o dele há anos e anos. Abri-lhe a cama e havia pijama e chinelos. Ele quando viu verteu uma lágrima. Foi o início. Estávamos em 1961. Daí até à sua morte vivemos sempre juntos. Nunca tive filhos, mas cuidei do Juan como se fosse uma criança.

Paragem para Ethel ir buscar ar não sei onde e retomamos o ritmo. “Ele acordava sempre às sete da manhã e eu levava-lhe uns mates [bebida tradicional da Argentina] além de lhe contar as novidades do bairro, da Argentina e do mundo. Às 9h30 lá ia ele para o trabalho na Mercedes-Benz. Era ele quem conduzia, uma situação curiosa porque nós tínhamos um motorista, Don Gimeno, de seu nome. Ora bem, Gimeno ia sempre ao lado dele mas não tocava no volante [risos]. Ao almoço estava de volta a casa porque gostava da minha comida: frango, tortilha, fatias de porco e um copo de vinho tinto. Sempre um copo.

Pausa e lá vamos nós outra vez. Ethel tem o dom da palavra. “Juan nunca, mas nunca mesmo, perdeu uma corrida de Fórmula 1. Via-as todas pela televisão. Inventava três asados por semana, com amigos daqui e dali, mas o domingo era sagrado para ele. Sempre à frente da televisão. Viu o acidente do Senna em directo, mas a caminho da casa de banho ouviu que ele tinha morrido. Estava inquieto mas nós acalmámo-lo, dissemos que não, que tinha ouvido mal, como a atrasar o inevitável. Aquilo doeu-lhe tanto que nunca mais viu a Fórmula 1. Foi um golpe duríssimo. Porque ele e Senna eram confidentes. Quando Senna teve aquele problema com o presidente [da FIA, o francês Jean-Marie Balestre], ligou ao Juan para lhe pedir uma opinião. E Juan disse-lhe que ficasse em silêncio, não dissesse nada...

O ano de 1994 não ficaria só marcado pela tristeza da morte de Senna. “O reencontro com [Stirling] Moss foi muito emocionante. Moss chegou ao meio-dia e ficaram a falar sem parar até às 16h. Foi uma delícia vê-los. No ano seguinte [1995], em 1995, a Fórmula 1 passou pela Argentina e a Mercedes-Benz pediu aos seus pilotos que visitassem Fangio. Ele não gostou muito da ideia porque não queria receber ninguém mas abriu uma excepção. Quando Mika Hakkinen e Mark Blundell entram na sala ajoelham-se perante ele e cada um lhe pegou numa mão. Juan soltou uma lágrima. Não pronunciaram qualquer palavra, limitaram--se a olhar uns para os outros.

Ethel pára um pouco e não recomeça como é hábito. Que pasa? A história aproxima-se do fim. “Isso foi no ano em que ele morreu. No seu último aniversário [24 de Junho], ele não queria sair do quarto mas convidei todos os seus amigos e insisti para que ele descesse à sala. Disse-lhe que tomasse uma pastilha [aspirina] e fosse à sala falar com as pessoas. Só isso. Ele fez e quando os viu a todos ficou bem-disposto e sussurrou-me ‘olha lá, se eu tivesse falhado este evento, que vergonha, obrigado por teres insistido’. Dias depois [17 de Julho] já quase não conseguia respirar e estava a perder muito sangue. Olhou para mim fixamente, e que força tinham aqueles olhos azuis!, e aí percebi que ele queria deixar-se ir. Ele que nunca quis morrer... mas ali compreendi e deixei-o ir nos meus braços.

O telefonema acaba e percebemos que temos de ir ao museu de Fangio. Afinal 400 quilómetros de Buenos Aires a Balcarce não são nada comparados com a história gloriosa do maior desportista argentino de todos os tempos.

1 comentário:

Carlos R disse...

Sinceramente achei a entrevista espetacular em todos os sentidos,jamais poderia imaginar Fangio dessa forma.Parabens pelo post!
Abraço
Carlos Rossi