domingo, 7 de maio de 2023

A imagem do dia


Enquanto hoje se corre em Miami, à beira-mar, numa das cidades que aspira a ser um Mónaco americana, há 45 anos, nas ruas do Mónaco original, um piloto subia ao pódio visivelmente aliviado por conseguir aquilo que todos ambicionam: triunfar. Mas para Patrick Depailler, o sabor da vitória era maior porque, duas corridas antes, esteve muito perto e não conseguiu. 

E mais que isso: a sua carreira até então era o de um piloto que demonstrava potencial, mas aparentava não conseguir. E o tempo estava a contar, porque tinha então 33 anos e estava na sua quinta época completa. 

Nascido a 9 de agosto de 1944 em Clermont-Ferrand, Depailler demorou muito para chegar à Formula 1. Começou a correr em 1965, foi piloto da Alpine na Formula 3 e Endurance, ajudando a desenvolver as máquinas para as 24 horas de Le Mans, onde começou a participar em 1968. Em 1972, quando a Tyrrell foi para o circuito de Charade, para o GP de França, o patrocinador pediu-lhe um terceiro carro para dar a chance a Depailler. Ele saiu-se bem, e no ano a seguir, a Tyrrell, já campeã, decidiu dar um terceiro carro para ele. 

Mas Depailler tinha um defeito: adorava o ar livre, e quando praticava motocross, sofreu uma queda e fraturou a perna direita, não podendo participar nas corridas do Canadá e Estados Unidos. No seu lugar foi Chris Amon. Depailler sentiu que tinha perdido a chance de se mostrar e ficar com um lugar a tempo inteiro, mas quando, tragicamente, o seu compatriota Francois Cevért sofre o seu acidente mortal, uma chance se abria e ele aproveitou, mesmo com a perna algo manca, para correr em 1974. E Ken Tyrrell, para evitar mais surpresas desagradáveis, colocou uma clausula que o proibia de andar em atividades ao ar livre ditas... perigosas. Afinal de contas, a Formula 1 já era... perigosa. 

Apesar das restrições, "tio Ken" gostava dele e do seu estilo... francês.

Patrick era muito francês – nunca sem um Gauloise, adorava vinho tinto. De muitas maneiras, ele foi uma criança a vida toda, sempre querendo esquiar ou andar de moto. E ele tinha essa crença confiante de que, no final, tudo ficaria bem. Ele vivia para o presente."

Anos depois, sobre essa faceta, James Hunt disse numa entrevista a Nigel Roebeuck:

Patrick Depailler... bem, não tenho dúvidas de que ele desejava morrer. Uma personagem muito simpática, mas sempre achei que ele estava louco… veja como ele viveu sua vida. Andar de moto sem capacete, essas coisas. Parecia precisar encontrar risco em tudo.

Mas isso não impediu de ser campeão europeu de Formula 2, em 1974.

Até 1976, teve de se sujeitar ao sul-africano Jody Scheckter. Contudo, adaptou-se melhor ao modelo P34, o carro de seis rodas, ao ponto de conseguir a sua melhor classificação de sempre, um quarto lugar, com sete pódios, 39 pontos e uma volta mais rápida. E quando Scheckter sai para dar lugar a Ronnie Peterson, em 1977, ainda conseguiu mais três pódios e 20 pontos. Portanto, quando chegou a 1978, e tinha como companheiro de equipa um novato chamado Didier Pironi, mandava na equipa. 

E aquele campeonato até começou muito bem: três pódios nas quatro primeiras corridas, chegando ao Mónaco com 14 pontos e o quarto lugar do campeonato, a quatro de Carlos Reutemann e Mário Andretti, os comandantes. Quinto na grelha, com o argentino na pole, aproveitou a colisão entre ele e o McLaren de James Hunt para ser segundo, entre os Brabhams de Niki Lauda e John Watson. As coisas ficaram assim até que a meio da corrida, Watson seguiu em frente na travagem à chicane do Porto, passando para a liderança, com Lauda atrás de si. 

Foi uma corrida de nervos, mas quando o austríaco teve um furo e foi às boxes, o francês descontraiu e não largou o comando até à meta, apesar do ataque final de um Lauda faminto. Na bandeira de xadrez, o paddock aplaudiu uma vitória bem popular, porque ele era um piloto amado e do qual queriam vê-lo num lugar que já merecia há muito tempo, devido ao seu ar esforçado - era um excelente testador, numa equipa que era mais um lar que uma empresa. 

E melhor ainda: Depailler iria sair do Principado com o comando do campeonato. Um momento de sonho para alguém que amava duas coisas: o automobilismo e a vida, no geral. Mas depois, na corrida seguinte, na Bélgica, a Lotus lançou o modelo 79 e o destino do campeonato ficou traçado. 

O resto é conhecido: no final do ano, saiu para a Ligier, e em junho de 1979, sofreu um acidente de asa-delta porque Guy Ligier não foi tão esperto quanto Tyrrell e não colocou uma cláusula anti desportos perigosos. Curiosamente, esse acidente aconteceu depois de um GP do Mónaco... 

Recuperado, a Alfa Romeo o chamou para desenvolver o seu carro para 1980, fazendo o que sabia fazer melhor. Contudo, não teve tempo: uma semana antes de comemorar o seu 36º aniversário, em Hockenheim, uma quebra na suspensão o fez chocar fatalmente contra os guardrails na Ostkurwe. Um detalhe macabro: as redes de segurança estavam colocadas no local, mas não erguidas. Nunca pensaram na chance de poder haver acidentes em testes. 

E regressando a Hunt... não. Não era louco. Apenas queria sorver a vida ao máximo.       

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