quinta-feira, 29 de julho de 2010

5ª Coluna: A dificil arte de reconstruir uma reputação

Confesso que pensei bem se valeria a pena escrever esta 5ª Coluna, dado que o essencial foi escrito na terça-feira, e repisar sobre o mesmo assunto corria o risco de ser redundante. Os factos desta tarde me fizeram pensar que talvez mereça um derradeiro post, antes do "blackout" que vou fazer por este fim de semana.

Na conferência de imprensa desta tarde, em Budapeste, Felipe Massa defendeu-se das acusações de que cedeu o seu comando em favor de Fernando Alonso, e de que é o segundo piloto da equipa. "Quando me ouvirem dizer que sou segundo piloto, deixo de correr", afirmou o brasileiro em declarações ao Autosport inglês. "Já falei com a equipa sobre isto e, o que tenho a dizer, é que estou aqui para ganhar. Mas também sou profissional e têm de compreender que trabalho para uma equipa", concluiu.

Mesmo que entenda e compreenda as razões pelos quais ele se comportou dessa maneira, a sensação que se fica depois destas declarações é uma mistura de hipocrisia e uma reencarnação do que se passou nos tempos de Michael Schumacher, em relação a Rubens Barrichello. Já se entendeu que Felipe Massa não é um dos que tem fibra de campeão, que pega no carro e dá o melhor a todo o tempo. Não será um Ayrton Senna, e não é isso que se pede, mas comparativamente a Fernando Alonso, Sebastien Vettel ou Lewis Hamilton, até Jenson Button, Felipe não tem "massa" de campeão. Isso já se verificou antes, em várias situações ao longo da carreira.

Mas nos últimos dois, três anos, se percebeu que se esforçou imenso para melhorar a sua competitividade dentro do carro. Quase foi campeão em 2008 e em 2009, a sua época foi infernal, primeiro com o mau carro que tinha entre mãos e depois o acidente na Hungria, que o colocou fora de combate para o resto do ano. Aí, o capital de simpatia era grande, enorme mesmo, reconhecimento de que ele era um piloto, que, esforçadamente, merecia um título mundial.

Só que em 2010, as coisas mudaram. A Ferrari contratou Fernando Alonso e Massa tinha de provar que aqui era território dele e que o se queria tomar, tinha de se esforçar. Era isso que esperávamos e queríamos dele. Sabia-se que mais cedo ou mais tarde, isto seria de Alonso, e aí, provavelmente, seria melhor a Massa mudar de ares, porque sabendo a maneira como trabalha o "Principe das Asturias", o espaço de Massa seria infinitamente pequeno. E muito provavelmente não estaria de passagem. Só não se esperava que entregasse os pontos tão cedo, ainda por cima quando sabemos que 40 pontos, com este novo sistema, é pouco mais do que nada, perfeitamente recuperáveis em duas corridas. Portanto, esse pretexto é pouco sólido.

E mesmo um segundo pretexto, o de que Alonso era mais rápido do que Massa também não era defensável. Os tempos eram equivalentes e o espanhol já teria antes dito na rádio a sua insatisfação em estar atrás do brasileiro. Portanto, ara além do tiro de canhão da Ferrari, a sua atitude de profissional, que se respeita, deu cabo da reputação de piloto, aos olhos de muitos. No Brasil e no Mundo.

Já se falou exaustivamente dos jogos de equipa e como elas fazem parte do automobilismo ao longo dos últimos cem anos. Concordamos com elas, desde que sejam usadas nos devidos lugares, nas devidas alturas, sob determinados princípios. Sei que, lendo a história e os vários exemplos nela existentes, que a cultura na Ferrari sempre foi a do carro, em detrimento do piloto. Daí eles terem pedido a Peter Collins para que cedesse o carro a Juan Manuel Fangio, em 1956, e que 23 anos depois, Enzo Ferrari ter pedido a Gilles Villeneuve para que abdicasse da luta pelo título a favor de Jody Scheckter, pelo simbolismo da conquista do título em Monza.

Para não falar do mito urbano mais famoso de todos. Quando Eugenio Castelloti teve o seu acidente fatal, em Março de 1957, em testes privados, a primeira pergunta que fez após receber a terrível noticia foi saber o estado do carro que ele conduzia. "E la macchina?".

Posso entender o gesto de Hockenheim como uma forma de demonstrar que a Ferrari ainda é uma equipa a lutar pelo título. Mas o local, as circunstâncias e os regulamentos que elas suportam foram as piores possiveis: na Alemanha, num GP patrocinado pela Santander, um banco espanhol, nacionalidade do - agora já sabemos - primeiro piloto. E ao fazê-lo às claras, deram um tiro no pé, daqueles de canhão.

Em suma, digo mais uma vez que entendo as declarações de Felipe Massa como forma de apagar o fogo da polémica. Quero acreditar que ele estava a ser honesto, mas é o velho principio da reputação: a dele está nas lonas, porque num país que têm um complexo de baixa auto-estima, como o Brasil, e por isso não tolera segundos classificados, vai ser muito dificil juntar e colar os seus cacos. E durante muitos anos, muitos o irão chamar de 1C e não o deixarão que ele esqueça desse episódio. Olhem para o agora "tricentenário" Rubens Barrichello: não acham que ele hoje em dia ainda sofre com o Austria 2002?

Para finalizar: esta vai ser a minha última 5ª Coluna por algumas semanas. Como em Agosto quase tudo entra em férias, achei por bem não escrever durante esse tempo. Em principio, isto vai voltar em Setembro, tentando falar sobre a actualidade automobilística. Até lá!

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