domingo, 5 de setembro de 2010

Jochen Rindt: anatomia de um desastre

Faz hoje quarenta anos que tudo aconteceu. Numa temporada marcada pela tragédia, com as mortes de dois dos principais pilotos do pelotão daquele ano, o acidente mortal de Jochen Rindt foi provavelmente aquele que teve um significado mais profundo, por vários motivos, desde o seu estilo agressivo nas pistas, o seu carisma, a sua dificil relação com Colin Chapman, até ao facto de guiar a melhor máquina do momento e de ser o lider do campeonato. E mais tarde, esse impacto fez com que se tornasse em algo unico: campeão mundial a título póstumo.

Quando o pelotão chegou a Monza, Jochen Rindt era o incontestado líder do campeonato, com 45 pontos, resultado de cinco vitórias, quatro delas seguidas. O segundo classificado, o australiano Jack Brabham, estava a uns distantes vinte pontos, e apesar do surgimento dos Ferrari de Jacky Ickx e Clay Regazzoni, que tinham feito dobradinha na corrida anterior, o GP da Austria, no circuito de Zeltweg, faltavam quatro provas para o final do campeonato, e bastava ao austriaco uma vitória numa dessas quatro corridas para se sagrar campeão mundial.

Em 1970, Monza ainda era um circuito de alta velocidade. Em quase noventa por cento do seu percurso, era feito de "pé a fundo" e somente a Curva Parabolica era o unico sitio do circuito onde o pedal de travão era usado. Numa era onde a aerodinâmica ainda estava na sua infância, era normal os pilotos e as equipas tiraram as asas dos seus carros para conseguirem uma maior potência e velocidade nas rectas. Quase toda a gente fazia isso, e a Lotus não era excepção.

Por essa altura, Colin Chapman e Jochen Rindt tinham uma relação tensa. Rindt acusava muitas vezes de o colocar em perigos desnecessários, e o austriaco decidira que no final daquela temporada iria embora da equipa e abandonaria a carreira de piloto, para lançar uma linha de roupa desportiva com o seu nome, e aparentemente, cuidar de uma equipa de Formula 2, com Emerson Fittipaldi ao volante.

O brasileiro era um jovem valor na Lotus. Um ilustre desconhecido ano e meio antes, quando chegou à Grã-Bretanha, tinha subido vertiginosamente nos escalões de formação, apesar da sua tenra idade - 23 anos - e Chapman tinha dado uma chance na Formula 1 no GP da Grã-Bretanha, em Brands Hatch, a bordo de um Lotus 49. Na corrida seguinte, em Hockenheim, conseguira os seus primeiros pontos, um quarto lugar, e já tinha suplantado o segundo piloto da equipa, o britânico John Miles. E claro, Fittipaldi era visto como o sucessor de Rindt na equipa.

Na sexta-feira, os Ferrari andaram bem na pista, monopolizando os três primeiros lugares, com Jacky Ickx à frente do suiço Clay Regazzoni e do italiano Ignazio Giunti. Jackie Stewart, grande amigo de Jochen - tinham casa um ao lado do outro no Lago Genebra - era quarto no seu March, e o BRM de Pedro Rodriguez era quinto. Rindt aparecia no sexto posto, e estava insatisfeito com o carro que tinha. Pediu para tirar as asas do carro, o que Colin Chapman concordou e John Miles recusou fazer, afirmando que seria demasiado perigoso nesses circunstâncias.

Entretanto, Emerson Fittipaldi iria usar o modelo 72 depois de umas corridas com o 49, e naquela sexta-feira iria usar o carro de Rindt para dar umas voltas de ambientação. Contudo, isso acabou quando Fittipaldi falhou a travagem para a Parabólica e saiu em frente, inutilizando o carro dele durante o resto do dia.

No Sábado, era dia de mais duas sessões de qualificação. De manhã, enquanto que o seu carro não estava pronto para dar as suas voltas, Chapman ordenou a Rindt que aquecesse o Lotus 72 que Emerson Fittipaldi deveria guiar. Sem as asas, o austriaco partiu para algumas voltas à pista. Quando entrou no carro, Rindt tinha um mau hábito: nunca se tinha adaptado ao circuito de seis pontos, pois sentia-se sempre desconfortável quando este se apertava nas virilhas. Assim, só apertava o cinto na caixa toráxica, que lhe permitia respirar melhor.

Após umas primeiras voltas de aquecimento, Rindt partiu a toda a velocidade para fazer tempos que superassem os Ferraris. No final da quinta volta, tinha ultrapassado o McLaren de Dennis Hulme e aproximava-se da Parabólica, quando os travões falham. Guina primeiro para a direita, e depois para a esquerda, batendo nos rails de protecção, rodopiando-se até parar. Contudo, num manifesto golpe de azar, Rindt bateu exactamente num local onde estava enterrado um suporte daquele guard-rail duplo. O choque foi ali e o chassis ficou totalmente destruido na frente. Com o impacto do choque, Rindt mergulhou dentro do chassis, fraturando os braços e sofrendo um golpe fatal na traqueia.

Os socorros foram rápidos. Rindt foi imediatamente retirado do seu habitáculo, mas a partir dali foi uma série de equivocos. Não havia um helicóptero de emergência no circuito, e em vez dos socorristas tentarem estabilizar o piloto no centro médico do circuito, decidiram levar directamente, de ambulância para o Hopsital de Milão, cerca de quarenta quilómetros dali. Quando chega, os médicos pouco mais podem fazer do que pronunciar a sua morte.

O choque foi enorme. Chapman decide tirar os seus carros e retirar-se de Monza, em sinal de luto. Mas isso só foi o inicio dos problemas para o patrão da Lotus. Nos sete anos seguintes, Chapman tinha de inscrever os seus carros com outro nome para evitar que os seus carros fossem apresados devido ao inquérito pendente na justiça italiana, cuja lei prevê um inquérito criminal sempre que haja uma morte num evento desportivo. No final, a causa do seu acidente teve a ver com veios de travão defeituosos, instalados nos modelos 72. Rob Walker, que no final da época tinha um modelo desses nas mãos de Graham Hill, afirmou o seguinte:

"Enviamos os nossos veios de travão do nosso carro à Vickers Armstrong para serem feitos todos os testes de rigidez. O seu relatório veio pouco depois e os classificou como "estilhaçados". Telefonei-lhes para saber o que isso significava e me disseram, em termos leigos, que os veios poderiam quebrar a qualquer momento na meia dúzia de voltas seguintes... antes do GP do Canadá, montamos veios mais fortes no carro, e resolvemos o problema".

No dia seguinte, aconteceu a corrida. Clay Regazzoni conseguiu a sua primeira vitória na sua carreira, apenas na sua quinta corrida na Formula 1, aproveitando a desistência de Jacky Ickx. Jackie Stewart foi segundo e o Matra de Jean-Pierre Beltoise o terceiro. Apesar das multidões terem invadido a pista, como de costume, para saudar a primeira vitória do Cavalino Rampante de 1966, os eventos do dia anterior estavam nas mentes dos presentes.

Alguns dias mais tarde, mais de 30 mil pessoas acorreram a Graz para assistir ao funeral do seu herói desportivo. Os seus amigos e concorrentes Jackie Stewart, Graham Hill, Jack Brabham, Chris Amon, Jo Siffert, Rolf Stommelen, John Miles, Jo Bonnier, Derek Bell e Masten Gregory, estiveram no funeral. O seu patrão, Colin Chapman, e o seu empresário, Bernie Ecclestone, também lá estiveram. O piloto foi enterrado no Zentralfriedhof de Graz, onde existe hoje em dia um busto a homenageá-lo.

A Lotus não iria a Mont-Tramblant, palco do GP do Canadá, voltando apenas para o GP dos Estados Unidos, que decorreu a 4 de Outubro, praticamente um mês após a morte de Rindt. Entretanto, na Lotus, John Miles decidira abandonar a equipa e a competição, e no seu lugar veio o sueco Reine Wissell. O objectivo agora era evitar que a Ferrari, e mais concretamente o belga Jacky Ickx, apossassem do título de Rindt. No final, a vitória calhou a Emerson Fittipaldi, a primeira de sempre de um piloto brasileiro, com o sueco Wissel a conseguir um brilhante terceiro lugar, logo na sua primeira corrida. Rindt tinha por fim o seu título e o seu lugar na história.

3 comentários:

Anônimo disse...

A única coisa que não concordo é essa estória do Emerson ter batido o carro de Jochen. Como o próprio Emerson relata no filme "o fabuloso Fittipaldi":recebi o carro novo que havia sido feito especialmente para mim e quando bateu em Giunti, disse que olhava muito no retrovisor para ver onde estava John Surtees que ia atrás, e disse que estava fazendo isso com medo de bater o carro que era "novo". Para mim, Rindo foi e ainda é o piloto mais habilidoso de todos os tempos só comparado ao meu ver a Ayrton Sena, mas com a diferença de sempre ter sido um concorrente limpo e leal a seus parceiros.

Unknown disse...

Versão do Emerson: https://www.youtube.com/watch?v=ZbYSEhz-kew&t=450s aos 7:22

Cláudio Roberto Marques de Lima disse...

Taí um assunto que sempre fui curioso em saber. A explicação foi muito elucidativa. Mas sinto falta um bom documentário em português sobre a morte do Rindt.