segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Grand Prix (numero 67)

O resultado da reunião daquela tarde no Mayfair Hotel teve reprecussões nas horas seguintes. como sempre, as rádios e as TV's foram as primeiras a noticiar o evento, e aqui eles falaram na ameaça de boicote caso as suas revindicações não fossem cumpridas. A BBC abriu o noticiário desportivo dizendo que "os pilotos de Formula 1 querem que o GP da Alemenha seja disputada em Hockenheim, ou não vão à corrida", e poucas horas depois, no outro lado do Atlãntico, as TV's falavam que "os pilotos ameaçam boicotar o circuito de Nurburgring por falta de segurança".

Por essa hora, Teresa Lencastre fumava cigarro atrás de cigarro no seu quarto de hotel, a escrever o artigo que iria mandar, via telefone, para Coburgo. A chamada iria ser cara, mas compensava mais se mandasse via telex. E ainda por cima, eles é que pagariam as despesas no hotel. Não tinha parado durante o dia, foi mandar pelo telex os resultados do dia, e depois, quando pensava que iria descansar nos braços do seu veloz amando, este lhe diz que iriam falar de assuntos importantes entre eles.

Quando soube do resultado, ficou estarrecida e pediu a ele que lhe dissesse o que significava. Com calma, explicou tudo o que se passara e as consequências de tais actos. Depois, foi a correr para o quarto e escreveu na sua máquina de escrever tudo o que tinha passado e as declarações de Alexandre, agora um dos vice-presidentes da GPDA.
Por essa hora, ela já funcionava há muito tempo a café, sanduiches e cigarros. Tinha perdido a conta dos maços que tinha fumado, dos cafés bebidos tinha a certeza de que tomara dois de café negro sem açucar, e mal comera uma sandes. Do outro lado da linha, em Coburgo, o seu director perguntava.

- Isto é sério?
- Sim, é.
- Mas a corrida é daqui a quinze dias...
- Pois. O que se fala é no adiamento ou troca de datas com o GP da Austria. Mas acho que esse circuito ainda não está pronto.
- E já agora, porquê esse Hocken... quê?
- Hockenheim. A organização colocou elementos de segurança à volta. Rails duplos e triplos, mais seguro e mais pequeno que o Nurburgring.
- Quantos quilómetros?
- Sete mil, mais metro, menos metro.
- É pequeno...
- Mas vai ser a tendência de futuro, aparentemente.
- E esse teu rapaz? Já se tornou em alguém importante...
- Quem diria: há seis meses era mais um, agora é o piloto de fábrica. Quem sabe? No final do ano ganha corridas.
- Era bom. Mais um que vence lá fora...
- Tem de chegar vivo ao fim, não é?
- Então e tu?
- Como assim?
- Que eu saiba, vocês namoram...
- Namoramos... pfff. Mandamos umas, sabes como é, a juventude moderna, temos de aproveitar agora, antes que nos casamos e viremos donas de casa.
- E é por isso que fumas como uma chaminé.
- Por aí... mas não creio que estejas a fazer esta chamada de longa distância para falar com quem ando a dormir, pois não?
- Não, pois não. Fica caro e depois puxam-me as orelhas por isso.
- Já recebeste as fotos?
- Já.
- Otimo, então por hoje é tudo. Amanhã é outro longo dia.
- Então vai descansar. Até amanhã.
- Até amanhã.

Teresa desligou o telefone e apagou o cigarro que tinha na mão. O quarto já tinha uma névoa que fazia arder os olhos daqueles que estariam lá dentro. Mesmo ela já se sentia aflita de tantos cigarros que tinha acendido e fumado, e dos dois maços que tinha consumido naquela noite. Para uma rapariga dos seus vinte e muitos anos, já fumava como uma quarentona acabada. Passa a mão pelos olhos, pois tinha uma última noticia para acabar, que iria mandar amanhã em conjunto com os resultados e a crónica de corrida, e levantou-se para abria a janela do seu quarto.

As cortinas voavam com o vento vindo de fora e o ar fresco da noite londrina entrava por ali dentro, juntamente com o barulho dos carros que circulavam na rua ali em baixo. Naquele fim de semana, os dois estavam em hotéis diferentes, longe um do outro, e tirando as ocasiões profissionais, não tinham estado juntos. Aliás, nem tinham estado juntos desde o inicio do mês, após o fim de semana do GP de França, que não compareceu devido às circunstâncias das mortes de O'Hara e Ortega. Vira-o triste e algo distante, mas isso foi antes do anuncio da subida à equipa principal e aos eventos desta tarde. Enquanto que puxava a cadeira para junto da janela aberta e respirar o ar londrino, o telefone toca no seu quarto. Ela atende e do outro lado da linha dizem:

- Minha senhora, tem uma chamada da Belmont Cottage. Deseja atender?
- Sim, pode passar.

A Belmont Cottage era o sitio onde a equipa Apollo iria passar o fim de semana de Grande Prémio. Ela atendeu e do outro lado da linha soa uma voz familiar:

- Oi. Como andas?
- Ocupada.
- Acredito.
- E tu?
- Estou melhor, obrigado. Tenho pena de não estarmos juntos.
- Estamos a trabalhar, ora. Tu na equipa, eu no jornal.
- Acredito.
- Diz uma coisa, isso vai mesmo por diante?
- Vai. Como já te disse, temos os apoios das equipas. Com o Pete e o Bruce nisto, temos boa parte do pelotão da Formula 1. E os outros acabarão por vir atrás. A Matra acedeu, a Ferrari acedeu, o principal privado está conosco, a BRM também... está no papo.
- E a FIA?
- Queres tu dizer a CSI... creio que o Automóvel Clube alemão irá dizer que é demasiado curto, mas pode-se arranjar algo. Os próximos dias é que vão dizer, não é?
- Algo me diz que não vai haver Grande Prémio nesse dia.
- Então... arranjem outro dia. Agora, dia 2, não estaremos em Nurburgring, e estamos todos nisso.
- Acho que arranjaram um lenha para queimar - dizia, enquanto acendia mais um cigarro - mas desejo-vos boa sorte para a vossa luta. Quero ver se eles cedem em tão curto espaço de tempo.
- Colocam a corrida noutro dia. Ou noutro ano.
- Estou céptica, mas pago para ver. Aliás, os meus leitores pagam para ver.
- Ainda bem, é esse o espírito, afirmou, mandando uma gragalhada no outro lado da linha.
- Alex?
- Diz.
- Não temos dito isto muitas vezes, pois não?
- O quê?
- Que nos amamos.
- Pois... pergunto-me se isto é sério ou não.
- Tens dúvidas?
- Não é isso, é mais... vale a pena esta relação? A minha profissão é de alto risco.
- Por outras palavras, queres saber se era capaz de ficar viúva antes dos trinta. Confesso que não, e tento não pensar nisso.
- Então, pensas em quê?
- Não sei... começo a conhecer-te, e vejo que tu escondes muita coisa de mim. Se tens algo que não me queiras falar comigo agora, compreendo-te, por causa da minha profissão. Mas tens de aprender a confiar em mim como pessoa e não como jornalista.
- Sabes que isso vai demorar o seu tempo.
- Tenho muita paciência, mas não paciência infinita. Sabes o que fazemos agora? É a primeira conversa que temos na relação. A sensação que tenho é que desde que conhecemos é ver-te em pista, falas comigo e no final do dia vamos para a cama foder. No dia seguinte, tu levantas-te, dás-me um beijo e vais à tua vida. Vai chegar a uma altura em que caimos na rotina.
- Eu sei disso tudo, Teresa.
- Eu não sou uma boneca, Alex. Tenho sentimentos.
- Acredito em ti. E acho que deviamos investir mais na relação. Nunca tivemos um fim de semana juntos, sem corridas pelo meio, eu sei disso. Nunca tivemos quinze dias de férias, num paraiso local nas Caraíbas ou Maiorca, sem pensarmos nas corridas. Eu prometo fazer isso no final do ano. Combinado?
- Alex... estamos em Julho. A continuar assim, no final do ano ou esta relação acaba, ou estás morto. E isso não quero.
- Mas Teresa, o que queres que eu faça? E não morro tão cedo, acredita.
- Tens a certeza? Os teus amigos também diziam do mesmo e...
- Não vás por aí, não vás por aí... não posso abdicar disto.
- Quem é que disse que quero que tu abdiques, hein? O que quero é que mostres a nossa relação. Estarmos juntos uma vez num mês, onde durante duas ou três horas aquilo que faço é abrir as pernas, onde tu fodes à campeão. Isto não é propriamente um namoro...
- OK, OK, OK, tens razão! Tens razão. Deviamos morar juntos e namorar mais, mas tu estás em Coburgo e eu estou sempre em viagem. Londres, Paris ou Monforte, ou Coburgo... eu só vou à capital porque o avião aterra aí. OK, eu fico contigo sempre que vou à cidade. Vives sozinha? Se não, ajudo-te a comprar uma casa para nós.

Fez-se silêncio durante alguns momentos. Ouvia-se o respirar dos dois, de forma a recuperar o fôlego da conversa. Depois, Alex falou:

- Precisamos de dar um tempo, Teresa. Gosto de ti, mas... tens razão. A relação, tal como está, não tem futuro.
- Era o que pensava, Alex. Começo a conhecer-te, e começo a ver como és. Isto é a tua vida, eu sou um brinquedo. É a verdade, querido: amo-te, mas desta forma é mais do que um namoro de Verão do que algo que acabe com um anel no dedo e um ou dois filhos...
- Estás disposta a dar um tempo?
- Estou.
- Aceito. É pena, mas tem de ser. Não queria que isto estragasse a nossa relação profissional...
- Acredita, isso não sai beliscado.
- Espero que sim.
- Amanhã falamos, OK?
- Assim seja. Até amanhã.

(continua)

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