(continuação do capitulo anterior)
Mal chegou às boxes, os mecânicos da Ferrari levantaram o carro e andaram a trocar os dois pneus do lado esquerdo, tentando ser os mais rápidos possivel, enquanto viam possiveis estragos na estrutura do carro. Quando viram que estava tudo bem, deram o sinal para o colocar no chão e acelerar dali. Van Diemen assim o fez, a toda a velocidade, de volta à pista no meio do pelotão.
Todos os outros o viram a voar nas boxes, e comentaram:
- Assim vai ser dificil apanhá-lo, disse Pete Aaron.
- Se pontuar, vai ser muito bom. Deve ser o último, respondeu Alex Sherwood.
Se não era o ultimo, andava lá perto. Ainda passou na mesma volta do líder, Bob Turner, mas este já tinha mais de meio circuito de distância e aparentemente inalcançavel. Mas ainda faltava muito para o final da corrida, e toda a gente sabia que tudo podia acontecer até ao metro final.
A partir dali, Van Diemen teve de fazer uma corrida de trás para a frente. Acelerou o mais que podia, tentando ser o mais rápido nas curvas e carregando no pedal o mais fundo que podia nas rectas. Tentava ser consistente e veloz, para chegar o mais rapidamente possivel à frente do pelotão. Com os pneus novos, nas primeiras voltas, lá fazia cair a volta mais rápida da corrida, enquanto que na frente, Bob Turner conseguia colocar em sentido os outros dois carros da Ferrari, que por sua vez já tinham garantido um bom avanço sobre os Jordan de Reinhardt, Medeiros e Kalhola, os Apollo de Solana e Monforte e o McLaren de Revson.
Dez voltas depois de ter passado pelas boxes, Van Diemen já se tinha livrado dos carros da Temple e do segundo McLaren de Bob Bedford, que vinha em perda devido a um problema mecânico. E tinha aproveitado a desistência de Teddy Solana, vitima de um mau funcionamento da bomba de combustivel, e que agora estava na boleia de uma Vespa a caminho das boxes da sua equipa. E na volta 33, já estava na traseira do carro de Revson, pronto para o ultrapassar na recta da meta. Quando o fez, a multidão entrou em delirio.
- O homem vem rápido, disse Alex Sherwood.
- Vai ter de correr atrás do prejuízo, respondeu Pete. Veremos se consegue chegar aos pontos, continuou, ao mesmo tempo que Solana aparecia nas boxes, depois da sua corrida terminada precocemente.
Van Diemen agora partia em perseguição do Jordan de Madeiros e Kalhola, que tinham sido ultrapassados pelo Apollo de Monforte, e partia em busca de Pieter Reinhardt. O sildavo deveria ser o quarto ou o quinto mais rápido, atrás dos Ferrari e do BRM de Turner, que já tinha aberto uma diferença de dez segundos perante os dois Ferrari. O veterano, que gozava a sua última temporada de sempre, estava a começar a gozar a corrida, tentando levar o carro até ao final da corrida sem problemas. E sabia que tinha de o fazer, pelo facto deste ser um carro bastante problemático, pela sua pouca fiabilidade. "Vamos a ver se desta vez tenho sorte com ela" pensava o piloto de 43 anos, quando guiava com o seu carro pela recta oposta, a caminho da Parabólica.
Depois de a fazer, acelerou na recta, a caminho de mais uma volta. O ruido do motor do seu BRM rugia na recta, dando um ar feroz, mostrando que naquele dia podia ser capaz de contestar a vantagem dos Ferrari na sua própria casa. Ao desaparecer para fazer a Curva Grande, todos começaram a contar os segundos para a próxima passagem do piloto britânico. Mas de repente, o speaker anunciou, num exaltado italiano:
"Há problemas para Turner, há problemas para Turner! Sai fumo do seu motor e ele vai lento na Vialone para ecostar na berma. É o fim da corrida para ele!"
A multidão delira. Com isto, iria ser um Ferrari que ficaria na frente da corrida, e este previlégio caberia a Antonino "Toino" Bernardini, um dos estreantes da Formula 1 e dada como uma das grandes esperanças do automobilismo italiano depois de Nino Barlini, motro três anos antes no Mónaco. Bernardini e Guarini seguiam juntos e quando eles passaram pela meta, a multidão levantou-se e gritou de alegria, por ambos guiarem um Ferrari, o unico motivo de regozijo por parte dos italianos, mas do que a "Nazionale" futebolistica, pois ainda por cima, eram dois italianos a guiarem o carro com o símbolo do Cavalino Rampante. Que mais poderiam desejar?
A desistência de Turner tinha acontecido na 34ª volta, exactamente a meio da corrida. Por esta altura, Van Diemen tinha ganho duas posições, uma com a desistência de Turner e outra com a ultrapassagem que tinha feito a Pedro Medeiros. Agora ia à caça do outro carro, o de Antti Kalhola, apesar de neste momento já estar nos pontos, na sexta posição. Van Diemen aproximou-se do novato finlandês, mas demorou dez voltas para o ultrapassar, na mesma altura em que Bernardini começava a distanciar-se de Guarini, não mais do que três segundos. E os dois tinham mais de vinte segundos de avanço sobre Pieter Reinhardt, isolado no terceiro posto, já que o Apollo de Monforte estava a uns meros seis segundos, e este tinha outros seis segundos de avanço sobre Van Diemen e Kalhola.
- Credo, os Ferrari dominam, disse Bruce Jordan da sua boxe. Se não avariarem, vão dominar isto.
- Vai ser complicado pará-los, chefe.
- Pois vai. A nossa sorte é o Van Diemen que está muito atrás, no quinto posto. O Antti não podia fazer muito, infelizmente.
- Portanto, só podemos ter hipóteses se eles quebrarem.
- Temo que sim.
Na boxe da Apollo, faziam-se contas:
- Quantos segundos de diferença entre eles?
- 2,2 segundos, e a diminuir. Ele deve ter quase um segundos de diferença para o resto do pelotão. O belga está a dar tudo, disse-lhe Pam.
- Diabos, vai ser dificil o Alex segurar o Van Diemen.
- Quer que lhe demos alguma ordem? perguntou Alex Sherwood.
- Não, ele que aguente o Van Diemen o mais que puder. Agora, vamos todos trabalhar para que o Philippe ganhe o título, respondeu Pete.
Tirando as desistências de Antti Kalhola, na volta 50, e de Pedro Medeiros, duas voltas depois, a grande atracção da tarde tinha sido o duelo entre Van Diemen e Monforte pelo quarto posto. O sildavo dava tudo para o segurar, mas o belga o ultrapassava com alguma facilidade. Mas ele respondia e o belga começava a achar incómodo o Apollo pilotado pelo novato sildavo. E no calor dessa luta não tinham notado que se tinham aproximado velozmente do Jordan de Pieter Reinhardt, o terceiro classificado, já a quase vinte segundos da dupla da Ferrari.
Somente nas últimas cinco voltas é que tudo ficou relativamente decidido. Quando Monforte viu a temperatura da água e do óleo a aumentarem nos seus indicadores, decidiu que era perferível ficar com alguns pontos do que com nenhum, e como Peter Revson estava muito distante, logo, abdicou do quarto posto, deixando escapar Van Diemen. Mas os dois estavam muito próximos de Pieter Reinhardt e o belga tentou uma última chance.
Contudo, essa chance só se concretizou na última volta, quando Van Diemen ficou verdadeiramente por detrás de Reinhardt e pode tentar uma ultrapassagem, no sentido de pelo menos chegar ao pódio e dar o monopólio à Scuderia. Dando o máximo no seu motor V12, que em teoria era mais potente que o V8 da Cosworth, só tentou ultrapassá-lo no Retifilio, após a Vialone, e a caminho da Parabólica. No final do Retifilio, guinou para a direita e ficou lado a lado com o piloto alemão. Mas como tinha acontecido antes, quando tentara passar Bob Turner, saira largo demais na Parabólica, quase entrava na gravilha e permitiu a reação de Reinhardt, que o passou e ficou na frente o tempo suficiente para assegurar o lugar mais baixo do pódio.
À frente deles, os dois Ferrari comemoravam a sua jornada inesquecível. Toino Bernardini, incrédulo, dava murros no ar para comemorar a sua vitória perante o seu companheiro Michele Guarini, que não ficara muito atrás na classificação. Ao contrário do que se tinha passado no ano anterior, não tinha havido duelo ao metro pela vitória, pois Bernardini, ao contrário de Van Diemen, não tinha tido problemas de qualquer ordem, ou não teve nenhum lapso ao meter a caixa de velocidades ou teve de poupar gasolina para poder chegar ao fim, como fez Guarini. Em mais um fim de semana horrível para os pilotos nesta horrível temporada de 1970, o fim de semana deste simpático piloto de Génova tinha sido de sonho.
Após todos os carros terem cruzado a meta e do "speaker" ter confirmado a vitória de um Ferrari, a multidão invadiu mais uma vez a pista para comemorar o feito de um dos seus carros favoritos. A multidão celebrava Patrick Van Diemen, apesar ele não ter sido o vencedor daquela corrida. O quarto lugar poderia ter sido frustrante, mas tinha conseguido manter as suas esperanças para o título. Era uma dobradinha da Ferrari, mas ele não era o protagonista. Toino Bernardini era desta vez o melhor, com Michele Guarini no segundo posto e o Jordan de Pieter Reinhardt no lugar mais baixo do pódio. O italiano, ainda no carro e em baixa velocidade, para não ter de atropelar ninguém, via o delírio dos fãs, que faziam um corredor para o saudar. Bernardini olhava para tudo isto, completamente incrédulo para o que se passava diante dos seus olhos: esta era apenas a sua primeira temporada completa na Formula 1, e o seu nome fazia agora parte da galeria dos vencedores da sua pista favorita.
Enquanto que toda aquela gente celebrava a vitória de um italiano, a bordo de uma Ferrari e estes cantavam o nome de Toino, todos os que estavam no "paddock" sabiam que não muito longe dali, numa pequena capela de Milão, um dos seus estava em câmara ardente, morto havia pouco mais de 24 horas. E não era um qualquer: era alguém que ainda poderia ser campeão do mundo.
Pouco depois, Toino e Michele subiam ao pódio para receber a coroa de louros, a taça e o champanhe. Em Modena, terra natal do Commendatore, este celebrava a vitória numa patuscada com os amigos, já que ele há muito não assistia a uma prova na pista, perferindo o conforto da sua casa, com os mais próximos. E estava contente com as performances de Bernardini, Guarini e Van Diemen, que apesar do seu quarto lugar, podia ganhar o título. Para fechar os lugares pontuáveis, tinham ficado o Apollo de Alexandre de Monforte e o McLaren de Peter Revson.
- Bravo, bravissimo. Gli ragazzi ha andato bene en la corsa.
- Una doppiata per noi, Commendatore.
- Si, é vero, respondeu, olhando em direcção da sua TV a preto e branco trazida da sala, tendo o seu sorriso desaparecido há muito. A seguir, falou com um dos seus familiares, para dizer:
- Diz ao motorista para que prepare o carro. Vamos logo a Milão para prestarmos os respeitos à familia do Phillipe de Beaufort.
Depois de receber o prémio e a coroa de louros, todos ficaram em sentido para ouvir o hino italiano, em tributo ao piloto e ao construtor. Depois os pilotos acenaram ao público e sairam dali, sem abrirem o champanhe, pois sabiam que, mais uma vez, um dos seus tinha sido vitima da face cruel do automobilismo.
--- XXX---
Tinham passado pouco mais de duas horas após o final da corrida. Os três pilotos da Ferrari estavam à porta da capela onde o corpo de Philippe de Beaufort estava a ser velado. Os fotógrafos estavam lá, bem como algunms curiosos, a uma distancia respeitável. Van Diemen entrou lá dentro e viu alguns dos seus colegas, como Solana, Reinhardt, Monforte, Kahola e Turner. Sentou-se num dos bancos e olhou para o caixão, sem dizer uma unica palavra. Alguns minutos depois, Pete Aaron sentou-se ao seu lado. Sem desviar o olhar, perguntou:
- Achas que devia tentar ganhar o título?
Pete demorou em responder, afirmando depois:
- Tens a obrigação de tentares o mais possivel.
- Aqui entre nós, acho que seria tremendamente injusto tirar o título a um morto. Ele merece-o, mais do que ninguém.
Fez uma pausa, e depois prosseguiu:
- Contudo, acho que se os papéis estivessem invertidos, ele próprio teria dito que iria atacar o título com todas as forças, e enquanto fosse possivel. E sou o unico com hipóteses. Logo, tenho de o fazer.
Posto isto, levantou-se, foi para o caixão, e disse numa voz sumida:
- Je suis desoleé, mon ami.
Queria sair dali o mais depressa possivel, mas tinham-no avisado que o Commendatore estava a caminho de Milão para prestar a sua homenagem a Beaufort, logo, ficou à espera dele. Uma hora mais tarde, a multidão se agitava na área para assinalar a presença do Commentadore, que sem parar, entrou dentro da capela, com o seu motorista a segurar uma coroa de flores. Lá, silencionsamente, cumprimentou os seus pilotos e estacou em frente do caixão, fazendo o sinal da cruz e depôs a coroa de flores, sem dizer qualquer palavra, enquanto que dois fotógrafos tiravam os seus bonecos o mais silenciosamente possivel.
Após isso, cumprimentou os que lá estavam, perguntando se havia algum familiar por perto, ao que alguém disse que eles estavam a descansar no hotel, depois de terem estado por um bocado na capela. Posto isto, o Commendatore e os seus pilotos saíram dali, rumo à saída. Van Diemen, sem despedir-se de ninguém, estava absorto nos seus pensamentos. Ele sabia que Philippe de Beaufort estava morto. Não pontuaria mais, mas a tarefa que ele tinha era hercúlea. O avanço que Beaufort já tinha dado era enorme. E para o superar, tinha de ganhar tudo o que havia pela frente, sem erros, nem avarias. Era uma hipótese fraca, mas matematicamente existente. E iria fazer tudo para alcançar, pois tinha um contrato para cumprir.
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