Aos oitenta anos, feitos no passado dia 30 de Outubro, Bernie Ecclestone é um homem incontornável na história da Formula 1, quer queiramos, quer não. Primeiro foi manager de pilotos como Jochen Rindt, e de 1971 a 1986 foi o patrão da Brabham, depois de o comprar a Ron Tauranac, que tinha ficado com o lugar após a saída de Jack Brabham, no final do ano anterior. Após 1987, ficou no paddock como o gestor dos dinheiros provenientes das transmissões televisivas, da publicidade estática e dos dinheiros provenientes dos promotores dos agora vinte circuitos do calendário - elaborado por ele - que normalmente rondam entre os 20 e os 50 milhões de dólares por ano.
Falo assiduamente sobre os negócios envolvidos e de como é que os elaborou para construir aquilo que é a Formula 1 agora. Não é em vão que a chamo de "Formula Ecclestone": mais do que ter direito aos 50 por cento das receitas angariadas, há certos aspectos dos circuitos do qual a sua empresa detêm o monopólio. Mas a sua personalidade é desconcertante: umas vezes choca as pessoas, com os seus "soundbytes" a elogiar os ditadores, ou a fazer publicidade com o seu estado fisico, outras vezes pela sua capacidade de desconversar sempre que lhe tentam entrar um pouco mais na mente do "anãozinho tenebroso".
Pois bem, nos próximos meses irão sair duas biografias sobre ele. Uma, sob o título "Bernie", é escrita por Susan Watkins, mulher do Dr. Sid Watkins, o legendário médico da Formula 1, e outra, de seu nome "No Angel: The Secret Life of Bernie Ecclestone" escrita por Tom Bower, antigo jornalista da BBC, mais concretamente do lendário programa "Panorama".
O livro de Bower será lançado em Fevereiro, enquanto que o de Watkins foi lançado esta semana. Durou nove anos a ser feito e teve algum assentimento do próprio, mas não é uma biografia oficial, é mais oficiosa. É extensa ao ponto de contar pormenores sobre a sua infância, sobre os seus primeiros passos no mundo dos negócios e como é que conseguiu assegurar o controlo da marca Formula 1 para além da sua morte fisica. E é sobre essa parte que um dos jornalistas do sitio britânico Pitpass, Chris Sylt, teve acesso previlegiado. Ali, ele fala de uma entrevista que Watkins fez a Ron Dennis, o patrão da McLaren, acusando o Tio Bernie de ter roubado os direitos da Formula 1 às equipas. E é aqui que se explica, com todos os detalhes, os valores dos acordos feitos entre o final do século passado e o inicio deste século, que deixam este desporto nas suas mãos.
Tudo começa com a luta FOCA-FISA, em 1980-81, e no subsequente Pacto de Concórdia. Um acordo que ao longo dos anos foi renovado e modificado, mas do qual pouco se sabe dos seus pormenores. Não se dirá que é um acordo secreto, é mais um acordo opaco. No acordo de 1981, a Formula 1 pertence à FIA, mas a gestão dos dinheiros das transmissões televisivas é cedida à FOCA, a Associação dos Construtores, chefiada pelo então patrão da Brabham, Bernie Ecclestone. Esse dinheiro era dividido na seguinte proporção: 47 por cento para as equipas, 30 por cento para a FIA e 23 por cento para a FOPA (Formula One Promotions and Administration) criada por Bernie Ecclestone em 1978, com o consentimento da então FOCA.
Tudo correu como previsto até 1997, o primeiro acto da viragem. Ao longo dos anos 80 e inicio dos anos 90, as transmissões televisivas cresceram imensamente, em especial após o fim de semana de Imola, em 1994. No final de 1996, Ecclestone era o patrão desportivo mais bem pago do mundo: o seu salário anual era de 54 milhões de libras. O passo seguinte era o de dispersar o capital da empresa na Bolsa de Londres, mas havia um obstáculo importante: ele tinha sido delegado para gerir as contas, ele não era o patrão. A unica forma dele conseguir aquilo que queria era transferir isso para uma outra empresa dele, a Formula One Management (FOM), convencendo a FIA em ceder a gestão da Formula 1, que até ali era da FOCA e da FOPA, para a FOM. Quem era o patrão da FIA em 1997? Max Mosley, sucessor de Jean-Marie Balestre e advogado de Ecclestone nos tempos da luta FOCA-FISA, dezassete anos antes.
O acordo de cedência, assinado em 1997, tinha a duração de 14 anos (termina em 2011, portanto), por um valor anual de 6,3 milhões de libras. As equipas continuaram a receber os 47 por cento, mas os restantes 53 por cento pertenciam agora a Ecclestone, através da FOM. Para além disso, tinha o monopólio das receitas da publicidade estática nos circuitos e dos patrocinadores oficiais da Formula 1.
Sobre isso, Ron Dennis diz peremptóriamente no livro: "Bernie roubou-nos a Formula 1. Este roubo foi cometido ao omitir a nós, as equipas, dos constantes aumentos de receitas que iriamos ter graças às sucessivas renegociações dos contratos televisivos. E usou o pretexto das receitas futuras para persuadir a nós, as equipas, para aceitar um novo contrato que eliminaria as percentagens acordadas anteriormente".
Depois, acrescenta: "A maneira como [Ecclestone] lidou com este assunto, algumas pessoas dirão que foi brilhante, um golpe de génio, mas essencialmente foi um golpe porque as equipas deveriam ter-lhe dito 'alto ai Bernie, esses direitos são nossos' e foram convencidos do contrário", concluiu. Instado a responder às acusações, Ecclestone disse: "Se o Ron acredita que eu roubei a Formula 1, então deveria chamar a policia".
Ron Dennis tentou impedir o acordo, e em conjunto com Frank Williams e Ken Tyrrell, recusaram assinar o Acordo de Concórdia no final de 1997, e mais tarde, a Comissão Europeia entrou em acção, investigando as contas para descobrir alguma fraude monopolista. Isso fez cair por terra os planos para uma entrada na Bolsa de Londres, no final de 1999, após ter convencido os três dissidentes a assinar o acordo. Mas mesmo com esta parte resolvida, tinha agora outro problema: a Comissão Europeia. E é aí que entra o famoso acordo centenário.
Para apaziguar os ânimos, Max Mosley cedeu em 2001 os direitos da Formula 1 à FOM para a totalidade do seculo XXI, sob a condição de ser colocada na Bolsa. Em vez disso, Ecclestone, através de um empréstimo de 875 milhões de libras - dando como garantia receitas futuras - ficou com todas as acções e não as colocou na Bolsa. Em vez disso, vendeu a uma firma chamada SLEC, uma companhia parente da FOM, e ao longo da década, as vendeu por quatro vezes, num total de 1.6 mil milhões de libras, colocadas num fundo familiar, para que as suas filhas e netas possam gozá-la.
Hoje em dia, boa parte dessa estrutura accionista pertence à CVC Capital Partners, um fundo de equidade, que pagou 990 milhões de libras em 2006, e Ecclestone tem agora 5,3 por cento da estrutura accionista. E agora, desde o final de Outubro que se falam de negociações entre a CVC e o governo de Abu Dhabi para que fique com uma parte, ou a totalidade dessa estrutura, por uma soma que deve ser bem alta. E provavelmente mais algumas dezenas de milhões de libras a entrar nos cofres do tio Bernie...
"Todas as pessoas que fizeram negócios com o Bernie ficaram com a sensação de que, ao fim e ao cabo, foste levado para além do razoável para fechar um negócio, qualquer negócio. Quando começas a ter tempo para reflectir, descobres que ele conseguiu tirar mais uns cinco por cento extra de qualquer coisa. É por isso que nunca farás um negócio justo com ele. Gostaria que ele tivesse a consciência de que tudo aquilo que conseguiu foi através das equipas, e foram estas que ajudaram a construir a Formula 1. Ele quer passar o legado de que foi o grande maestro da orquestra chamada Formula 1, mas deveria entender que um maestro não é nada sem os seus musicos, e as equipas fazem parte dessa orquestra", concluiu Ron Dennis.
E aí está. Se tiveram alguma dúvida sobre como é que conseguiu o poder e a fortuna que tem hoje em dia, e como ele se safa tranquilamente de toda e qualquer trapalhada, eis a explicação. E agora, tenho que ver se consigo ler esses livros...
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