No final de Janeiro, quando na gélida Europa o mundo conhecia o projeto da Lamborghini, um barco estava ao largo de Buenos Aires com os contentores que traziam os carros de Formula 1 para mais uma nova temporada, numa paragem que já não visitavam desde há mais de uma década. O regresso da Formula 1 ao país das Pampas era algo que os argentinos ansiavam muito e viam concretizado agora, apesar de não terem nesse momento um piloto do calibre de Fangio ou Gonzalez, nos anos 50. Apaixonados por este desporto, falavam candidamente sobre os tempos que viam acelerar Maseratis, Ferraris, Mercedes ou até o pequeno Cooper de motor traseiro, pilotado por Stirling Moss, e que inesperadamente bateu os carros de motor à frente e fazia história na Formula 1.
O circuito de Buenos Aires continuava o mesmo: veloz. Tinha uma nova pintura, uma nova capa de asfalto e rails por todo o lado, inclusive nas boxes, que tinham sido remodeladas, para que colocassem um guard-rail que separasse os pilotos da pista. Os pilotos tinham inspecionado e adorado as mudanças, considerando-o como “perfeito”.
Dez dias antes, vindos da gélida Europa e Estados Unidos, os pilotos, mecânicos e demais “staff” tinham desembarcado nos seus voos da Air France, Pan Am ou da Aerolineas Argentinas, depois de uma estafada travessia do Atlântico, com mais de doze horas de duração. Desembarcaram com um calor estafante nesse final de Janeiro, inicio de Fevereiro, onde boa parte dos argentinos aproveitava para ir a Mar del Plata, ou atravessavam o Rio de la Plata para o Uruguai, mais concretamente para Punta del Leste. Os resistentes, esses, iriam aproveitar para ver os pilotos no Autódromo.
O pelotão da Formula 1 tinha ficado com os hotéis de cinco estrelas da cidade, pelo menos os “VIP’s”: pilotos e diretores de equipa. O resto, jornalistas, mecânicos e outros, ficavam noutras unidades hoteleiras da cidade ou em casas de amigos espalhados pela cidade. Nos dias anteriores à corrida, todos se tentavam ambientar-se ao calor infernal que se fazia sentir na capital argentina, enquanto que os cartazes do eventos estavam espalhados um pouco por toda Buenos Aires.
Naquela quarta-feira de manhã de manhãzinha, Teresa Lencastre era uma das primeiras a descer para o salão no sentido de tomar o pequeno almoço. O seu namorado ainda iria demorar por mais uns minutos, pois estava no banho e ele tinha esperado para que ela terminasse a sua vez em vez de tomarem banho juntos.
Enquanto esperava pelo pequeno almoço, pegou numa revista local que falava extensivamente sobre o regresso da Formula 1 à Argentina, e tinha entrevistas com as lendas locais como Juan Manuel Fangio, no alto dos seus sessenta anos, bem com Froilan Gonzalez, outrs das lendas portenhas, o homem que deu a Enzo Ferrari a sua primeira vitória na Formula 1, em 1951, no circuito de Silverstone. Todos falavam do seu tempo e da nova Formula 1, das equipas e daquilo que vinha por aí nesse ano novo, onde já se sabia que um novo construtor iria entrar em acção, para amedrontar Jordan, Ferrari, Apollo, Matra, BRM e outros.
Mas quando lia a revista, viu um artigo escrito em tributo a Teddy Solana. Ao ver a sua foto, não deixou de soltar um longo suspiro e os seus olhos começaram a marejar. Lembrava-se dele, de Debby, a sua amiga, das circunstâncias da corrida mexicana e da sua luta inglória pela vida. E que este iria ser a primeira corrida após o acidente mortal de Teddy, e de quanto tinha saudades dele. E que a vida continuava sem a sua presença.
A BRM tentou arranjar um bom substituto para Teddy, e logo conseguiu Pieter Reinhardt, o alemão que foram buscar à McLaren, e correria ao lado do sueco Anders Gustafsson. Aqui só correriam com dois carros, mas havia um terceiro carro para alugar a qualquer um que quisesse correr e tivesse dinheiro para completar o orçamento. Brian Hocking, o sul-africano que tinha dado boa conta de si ao serviço de Bob Turner, no ano passado, era o escolhido, já que Turner decidiu libertar das suas obrigações. Iria apenas correr quando o pelotão chegasse à Europa, pois queria um patrocinador tão bom que permitisse construir o seu próprio chassis, talvez mais cedo do que pensaria.
Se na Apollo nada se mexeria, com Alexandre Monforte e Phillipp de Villers, bem como a Matra, com Gilles Carpentier e Pierre Brasseur, a Jordan com Antti Kalhola e Pedro Medeiros, e a Ferrari com Toino Bernardini e Patrick Van Diemen, a McLaren ficava com Peter Revson e Jack Thompson, já que Patrick Truffaut estava a caminho da Lamborghini, bem como Michele Guarini, ex-Ferrari. A Temple tinha alinados dois Jordan para alugar e tinha Bob Bedford num dos carros. Para o segundo lugar naquela etapa sul-americana, John Temple iria contratar um piloto local que iria dar aos argentinos um bom motivo para virem aos magotes.
Na Argentina, o nome “Fuchs” parecia ser tudo menos espanhol. Mas naquele país havia enormes comunidades de emigrantes vindos um pouco por toda a Europa. Franceses, Polacos, Italianos, Espanhóis, Jugoslavos, Alemães… estes tinham vindo em magotes ao longo do século XIX e XX para tentarem a sua sorte no Novo Mundo, especialmente após o final da II Guerra Mundial, onde magotes de alemães, de passado altamente duvidoso, tinha chegado ao Novo Mundo, em busca de uma nova vida, e também para esconder de um passado nebuloso… contudo, Normann Fuchs era diferente, pois tinha trabalhado durante anos na Mercedes, nos Grand Prix dos anos 30.
Com a Alemanha devastada e dividida pela guerra, decidiu sair dali em busca de uma vida melhor. Veio para a Argentina em 1947 e seu espanhol já se tinha tornado fulente, apesar do seu sotaque nitidamente germanizado. Tinha ganho a vida a preparar motores ao longo dos anos, abrindo a sua oficina e depois pegando nos V8 da Chevrolet para os construir e melhorar, com a tipica precisão alemã. E assim, os motores Chevy-Fuchs eram tão conhecidos na Argentina como Juan Manuel Fangio ou Froilan Gonzalez.
Mas Fuchs ainda tinha outra coisa: um bom piloto, que sabia guiar e melhorar a performance dos seus carros, especialmente os de Formula 2. Alguns pilotos o tinham conhecido na Temporada Sul-Americana e nas corridas de Buenos Aires e Interlagos do ano anterior, num Jordan-Temple alugado. Quando Normann teve o seu fliho, naqueles últimos dias antes do Natal de 1944, em Estugarda, entre os bombardeamentos aliados naquele final de guerra que todos sabiam estar perdido, não esperava que ele sobrevivesse ao fim da guerra, dada a sua fragilidade. Tinha nascido cinco semanas antes de tempo, entre bombas a caírem na cidade, e quase ninguém esperava muito dele. Mas contrariando tudo e todos, Johann sobreviveu e tornou-se num menino saudável, mesmo tendo sobrevivido uma viagem transatlântica para Buenos Aires, em 1947. E em Buenos Aires, o Johann virou Juan e tornou-se num bom piloto, capaz de guiar qualquer boa máquina. E como Temple e Fuchs eram bons amigos, lhe deu um carro para ele, com o seu pai nas oficinas a afinar o motor durante aquele final de semana, quer aqui, quer no Brasil.
(continua amanhã)
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