Ontem, como previsto, o governo barenita resolveu levantar o estado de emergência no seu minusculo emirado, previsto em abril. E amanhã, a FIA vai decidir se - ou como - irá incluir o autódromo de Shakir no calendário de 2011, fazendo com que este acabe por ser alargado até bem perto do Natal, ou seja trocado pelo GP da India. Em suma, o que está na mesa é saber se vale a pena colocar a corrida barenita no dia 30 de outubro, data do GP da India, enquanto que esta iria acontecer a 4 ou 11 de dezembro, depois de Abu Dhabi e Interlagos.
O fato de a FIA ter dado todas as hipóteses aos organizadores e ao governo do emirado para que recebessem a corrida ainda este ano demonstra a vontade de uma certa FIA - leia-se, Bernie Ecclestone - de ter a Formula 1 por lá. A razão? Eu direi mais 40 milhões de razões. E poderiam ser sessenta, se fosse a prova de abertura da Formula 1, como foi em 2010.
Nos últimos dias andei a ler, ver e ouvir sinais contraditórios sobre o caso barenita. No Mónaco, os "insiders" diziam que as equipas pareciam querer que essa prova não fosse feita este ano, devido ao stress causado nos seus funcionários, que estavam a trabalhar sem parar, e ainda por cima não iriam ter férias antes do Natal, antes de mergulharem a fundo na pré-época de 2012, e que isso iria causar stress neles. Também sei que o unico defensor da Formula 1 no Bahrein é Bernie Ecclestone, que tenta, à sua maneira, que as equipas aceitem isto como um fato consumado. Ou como dizemos por aqui: "comam e calem-se".
Mas parece que a FIA não está pelos ajustes, e eventualmente Jean Todt também torce o nariz à ideia de ver o calendário alargado até dezembro. Mas ao ver a FIA a não tomar uma decisão definitiva sobre este assunto, dá uma de duas ideias: ou não pode fazer nada em relação ao calendário, ou então anda à procura do momento de puxar o tapete a Ecclestone. Não acredito muito nessa última hipótese, mas veremos.
Entretanto, estava a ver ontem na BBC uma peça sobre a atual situação no Bahrein. E um dos principais focos da peça era o circuito de Shakir, e uma entrevista ao seu diretor, afirmando que o circuito recebia receitas anuais de 170 a 230 milhões de dólares. O circuito estava vazio, como era óbvio, e lembrei-me de outra peça, escrita por Joe Saward, em que dizia que a organização do circuito tinha despedido metade dos seus funcionários por razões politicas. Eram todos xiitas, a tal etnia maioritária no emirado, mas que tinha menos hipóteses de sobreviver com uma classe dominante sunita, isto é, a familia real.
A história ensina-nos que o automobilismo está a borrifar-se para a politica, especialmente quando a questão são os direitos humanos. Ao contrário do futebol ou dos Jogos Olimpicos, a FIA, nas suas encarnações anteriores, sempre correu na Africa do Sul do tempo do "apartheid". O governo financiava bem a FIA, pois era a única federação que corria por lá, mesmo quando o pais já tinha sido expulso dos Jogos Olimpicos e dos Mundiais de futebol, cricket e rugby. E o governo "tratava bem" os pilotos, colocando-os num hotel, isolados do mundo exterior, e só iam para o circuito nos dias da corrida. E claro, o público era todo branco...
Isso foi assim até 1985, altura em que os governos ocidentais começaram a pressionar ainda mais a FISA para que cancelassem a ida à Africa do Sul. Não conseguiram, mas fizeram com que algumas equipas boicotassem a corrida nesse ano, como aconteceu à Ligier e Renault, ordenados pelo governo francês para que não fossem lá. E a FIA só voltou a Kyalami em 1992, quando o governo de minoria branca cedeu o poder à maioria negra.
Portanto, a minha experiência me diz que eventualmente, a FIA poderá dizer às equipas para que façam o sacrifício de irem ao pequeno emirado para que o Tio Bernie lá recolha os 40 milhões. Mas sei também que isto poderá causar mais achas para uma fogueira maior, que é a do novo Pacto da Concórdia, que vai ser negociado num futuro próximo. Se as equipas começarem a vociferar contra isso e pegarem no calendário - com já começam a insinuar - como pretexto para diminuírem os poderes de Bernie Ecclestone, poderemos dizer que amanhã veremos o final da história ou apenas o começo de um novo capítulo?
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