domingo, 10 de agosto de 2025

A imagem do dia (II)




Todos os pilotos tem alguém que sempre gostaram de ser amigos, sentiam bem quando competiam juntos. A ideia de que no automobilismo não havia amigos é, de certa maneira, um mito. É verdade que são competitivos, muito egoístas e só viam a pista pela frente e "estavam desenhados para vencer, não chegar em segundo" (Senna dixit), mas havia sempre aqueles que deixam uma marca nas mentes das pessoas. E mesmo em competições onde partilham a condução com outros, como na Endurance, há algo que fica nessas partilhas. Bom ou mau, fica. 

Para o suíço Marc Surer, Manfred Winkelhock foi o seu piloto favorito. Num artigo de abril de 2024 da Autosport britânica, numa entrevista ao piloto, que correu na Formula 1 entre 1979 e 1986, com passagens por Ensign, ATS, Theodore, Arrows e Brabham, conseguindo 17 pontos e uma volta mais rápida, o alemão, que morreu em agosto de 1985, numa corrida de Endurance, os 1000 km de Mosport, no Canadá, era alguém que valia a pena conversar dentro e fora da pista. Especialmente na Endurance, já que na Formula 1, nunca foram companheiros de equipa.

"Começamos a ser amigos muito depressa", começou por falar. E de facto, havia coisas em comum: tinham nascido com três semanas de diferença, no mesmo ano: 1951. Surer é de 18 de setembro, Winkelhock é de 6 de outubro. E cedo, começaram a socializar. “Saíamos juntos à noite, por isso passávamos algum tempo sozinhos e também jantávamos na pista, quando não tínhamos qualquer compromisso com os patrocinadores”, continuou. Surer reconhece que Winkelhock “era mais um homem de família” após o nascimento do filho Markus em 1980. “Mas, de qualquer forma”, acrescenta, “tínhamos muito em comum. Divertíamo-nos muito”.

Encontraram-se pela primeira vez em 1978, quando eram pilotos da BMW na Formula 2. Sureer vinha da Formula 3, enquanto Winkelhock tinha mais experiência nos carros de Turismo. E ainda ficou mais tempo nos monolugares - quatro temporadas, entre 1979 e 1982, quando foi para a ATS de Formula 1, com passagem pela Arrows no verão de 1980, como substituto de Jochen Mass, que sofrera um acidente na Áustria. 

E mesmo com esses estilos diferentes, davam-se bem na mesma.

"Ele não tinha experiência em carros de fórmula e estava sempre a forçar o carro", diz Surer nessa entrevista. Mas nos carros de turismo, complementavam-se bem. Winkelhock era "menos sensível à configuração do carro, conseguia pilotar com o carro que não era perfeito", de uma forma que Surer diz ter dificuldade em fazer.

"Mesmo que eu dissesse 'vamos lá, estamos com muita sobreviragem, não consigo conduzir o carro assim', ele entrava e já fazia um bom tempo de qualquer maneira", observa Surer com admiração. "Ele estava apenas a forçar o carro a passar por problemas que eu por vezes não conseguia. Ele simplesmente forçava o carro nas curvas. Conseguíamos estar sempre com a mesma configuração, nunca tivemos problemas em dizer 'não consigo pilotar da forma que ele quer'. Éramos muito parecidos."

Em 1982, com ambos na Formula 1 - Winkelhock na ATS, Surer na Arrows - foram para a Ford para ajudar no projeto C100 de Le Mans. Os carros eram preparados pela Zakspeed, de Frank Zakowski, alemão de origem polaca, e com o dinheiro da marca americana, esperavam-se grandes coisas. Mas os motores não eram fiáveis - nas 24 Horas de Le Mans, a sua corrida acabou... após quatro voltas - e poucos eram os motivos para festejos. Até à corrida dos 1000 km de Brands Hatch, onde os carros monopolizavam na primeira fila, com Surer em primeiro (emparelhado com Klaus Ludwig) e Winkelhock em segundo (com Klaus Niedewicz como companheiro de equipa).

A Ford queria aproveitar a ocasião e Winkelhock teve a ideia. 

“[Na endurance] o piloto que fizesse o melhor tempo nos treinos tinha sempre permissão para arrancar. O Peter Ashcroft veio da Ford e disse: ‘A BBC está a transmitir a corrida em direto na TV, podem tentar passar como primeiro e segundo na primeira volta? Podem combinar como ajudar-se uns aos outros?’ E nós dissemos: ‘OK, com o Manfred sei que não haverá problema nenhum’. Começou a chover antes da corrida e eu disse: ‘O que vamos fazer? À chuva é imprevisível’. E então o Manfred teve a ideia e disse: ‘Se andarmos lado a lado, ninguém nos pode ultrapassar’, e assim fizemos!", começou por dizer.

"Havia sempre um do lado de fora da curva que tinha o melhor traçado, porque a parte de dentro era mais escorregadia e apertada, então o do lado de fora teve de se levantar um pouco para ficar lado a lado, e conseguimos os dois. Resultou tão bem, continuámos a liderar, depois demos mais uma volta e mais uma volta e a chuva foi ficando cada vez mais forte..."

A ideia não durou muito: na quinta volta, Hans-Joachim Stuck, que era um excelente piloto à chuva, aproximou-se, com o seu Porsche 956, ficou atrás dos Ford, e queria ultrapassá-los. Não acabou bem.

Quentin Spurring escreveu, na sua crónica de corrida da Autosport: "O progresso de Stuck continuou e, na quinta volta, estava à frente dos Ford, que saíram da [curva] Surtees lado a lado novamente e partiram em direção a Pilgrims Drop. Na curva, logo abaixo da reta, Surer perdeu o controlo do seu C100, o seu carro roçou no de Winkelhock e Manfred viu-se subitamente na relva, a dirigir-se para a barreira".

No final, o acidente causou a interrupção da corrida - a barreira tinha de ser reparada - Winkelhock foi para o carro de Surer e Ludwig, mas problemas com o motor fizeram com que perdessem três minutos nas boxes, acabando em quinto. 

Só voltariam a ser companheiros de equipa em 1985, com o Porsche 956 da Kremer. Ganharam os 1000 km de Monza, uma corrida interrompida devido a uma queda de árvores, e estavam a fazer parelha no fatídico dia 11 de agosto, em Mosport, nos 1000 km canadianos. Ele tinha o primeiro a guiar, por 69 voltas, antes de passar a mão a ele, onde acabou por ter o seu despiste mortal, aparentemente, por um furo a alta velocidade. Gravemente ferido na cabeça, sucumbiu aos ferimentos no dia seguinte, e foi ele que deu a triste noticia à família, que vinha a caminho do Canadá, depois de saberem do acidente.

Surer também teria, meses depois, o azar de ficar às portas da morte, mas num evento de ralis, com um carro de Grupo B. O seu navegador morreu e ele, que então guiava na Arrows, não regressou mais ao automobilismo. Hoje em dia, aos 73 anos, é comentador de Formula 1 na RTL alemã. 

Surer guarda boas recordações de Winkelhock, descrevendo a sua amizade como "única". "Talvez houvesse outros pilotos a passar por isso", acrescenta, "mas era muito invulgar. Mesmo lutando entre si, foi sempre sem problemas, porque pode confiar no outro."  

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