Não é muito frequente ler sobre Formula 1 num jornal generalista português, mas acontece. O jornalista Hugo Daniel Sousa, do Público, coloca hoje um extenso artigo de duas páginas no Caderno P2 sobre o espanhol Jaime Alguersuari, que como sabem, vai bater este domingo o recorde de precocidade do neozelandês Mike Thackwell, establecido em 1980. O artigo fala também dos receios de outros pilotos sobre a sua precocidade e falta de experiência num "cockpit" de Formula 1, e tem algo que desconhecia: Jaime Jr. é filho de Jaime Alguersuari, o homem que fundou há dez anos atrás a Open Telefónica by Nissan, actualmente a World Series by Renault.
Eis a transcrição completa do artigo:
24.07.2009, Hugo Daniel Sousa
O piloto mais novo de sempre senta-se hoje ao volante de um monolugar de F1. Os especialistas dizem que ele está tecnicamente preparado. Falta saber se psicologicamente aguenta a pressão. O pai do jovem catalão destaca ao P2 que o filho vive uma situação inédita: chega à F1 com zero quilómetros de testes. A aposta em Alguersuari é também um sinal do nosso tempo, em que os pilotos chegam cada vez mais cedo ao topo.
Jaime Alguersuari começa hoje a maior aventura da sua vida. O piloto espanhol vai sentar-se pela primeira vez a sério num carro de Fórmula 1, durante os treinos livres do Grande Prémio da Hungria, que se realiza depois de amanhã, nos arredores de Budapeste. Se não houver nenhum azar de última hora, entrará no domingo para a história da Fórmula 1, ao tornar-se o mais jovem piloto de sempre a participar numa corrida. Terá 19 anos, quatro meses e três dias (nasceu em Barcelona a 23 de Março de 1990).
Bater o recorde do neozelandês Mike Thackwell, que em 1980 participou no Grande Prémio do Canadá com 19 anos, cinco meses e 29 dias, é, por si, só notícia. Mas há algo que torna a história de Alguersuari ainda mais especial. É o próprio pai do piloto da Toro Rosso que o diz em conversa telefónica com o P2. "A verdade é que o meu filho chega à Fórmula 1 com zero quilómetros de experiência", explica Jaime Alguersuari (pai). "Isto é inédito. Nunca aconteceu antes, porque também nunca aconteceu não haver testes de Fórmula 1", explica o pai do piloto, criticando a proibição de as equipas efectuarem testes durante a temporada, que entrou em vigor este ano.
Jaime Alguersuari (filho) só conduziu carros de Fórmula 1 em duas situações, ambas muito diferentes de uma corrida. "Fez algumas provas aerodinâmicas no centro técnico de Idiada, mas era apenas ir e voltar numa recta", conta ao P2 o pai do piloto. A outra circunstância foi "um roadshow no Autódromo de Portimão [em Novembro do ano passado], num carro não oficial, com um motor V10 [dos antigos]": "Nada disso tinha a ver com uma corrida de Fórmula 1." Chegados aqui, impõe-se a pergunta: um jovem de 19 anos (ou este piloto em particular) tem maturidade para assumir a condução de um monolugar com 800 cavalos (cv) de potência, oito vezes mais do que um carro normal? A resposta é sim, mas...
"Um miúdo como o Jaime tem experiência para guiar um F1. No aspecto técnico, de velocidade, não há problema, especialmente se tiver um percurso anterior de karting ao mais alto nível até aos 14 anos e quatro ou cinco anos de Fórmulas, em que se conduzem carros com 500 cavalos", argumenta Nuno Couceiro, agente de vários pilotos. "Resta é saber se o Jaime, ou outro jovem, tem maturidade mental para fazer a gestão de corrida, porque uma corrida de F1 é algo muito sério", acrescenta.
Como muitos jovens pilotos da actualidade, Alguersuari passou pelo karting de alto nível e depois continuou a carreira nas Fórmulas, competições de acesso à F1. Começou pela Fórmula Renault 2.0 (com carros de 150 cv), seguiu para a F3 britânica (carros de 210 cv em que se sagrou o mais jovem campeão) e agora estava (e quer continuar, estando até agendada a sua presença no Algarve, entre 30 de Julho e 1 de Agosto) na Fórmula Renault 3.5 (já com monolugares de 425 cv). Pelo meio, entrou para o programa de jovens pilotos da Red Bull (Junior Team), depois de um teste no Autódromo do Estoril, em 2005.
Paulo Pinheiro, director do Autódromo do Algarve, sublinha que "a parte técnica não é a principal preocupação", porque os carros que Alguersuari conhece já dão grande "sensibilidade a um piloto". Mesmo assim, Filipe Alburquerque, piloto português que até conviveu com o catalão na equipa júnior da Red Bull, defende que este é um salto grande. "No habitáculo do carro ele vai sentir a diferença, porque os F1 são muito mais rápidos, 10 a 12 segundos, do que os monolugares da World Series by Renault [Fórmula Renault 3.5]."
Felipe Massa, piloto da Ferrari, juntou-se ontem ao debate e considerou "errado" alguém estrear-se tão cedo. Massa, que começou aos 20 anos, relembrou o seu caso pessoal. "Era muito inexperiente para saber que alterações pedir no carro e cometi muitos erros", disse o brasileiro, avisando que Alguersuari pode "queimar-se muito depressa".
Além da técnica, coloca-se ainda a grande questão psicológica. "A pressão vai ser enorme, porque estará no meio dos melhores 20 pilotos do mundo", defende Paulo Pinheiro. Em declarações ao El País, Fernando Alonso (bicampeão mundial) defendeu que o compatriota "está mais do que preparado" para a estreia: "Sou defensor de se começar o mais cedo possível, na F1 ou em qualquer outro desporto, porque assim há mais tempo para evoluir."
O pai de Jaime Alguersuari enfrentou a pergunta do P2 sobre a maturidade de uma forma curiosa: "A Toro Rosso diz que escolheu o mais maduro dos pilotos da equipa júnior da Red Bull e todos os outros eram mais velhos do que Jaime. E digo mais - a equipa júnior começou em 2001 e até agora passaram por lá cerca de 120 pilotos. Apenas quatro (Vettel, Buemi, Brendon Hartley e Jaime) estiveram mais de quatro anos no programa. Quando me pergunta se um miúdo de 19 anos está maduro, é essa a minha resposta", argumentou o pai do catalão, chamando a atenção para as 116 corridas que o filho já fez.
A máquina promocional por trás de Alguersuari está apostada em provar que ele é muito mais do que um rapaz de 19 anos com jeito para conduzir. Num documento que distribuiu à imprensa, e a que chamou Jaime, em traços gerais, o jovem piloto é descrito como sendo "maduro para a idade", "inteligente e reflexivo". Mas o rapaz sociável, que frequentemente é visto a estudar nos aeroportos e nos comboios, que se preocupa com a alimentação, que tem uma imagem da Virgem de Macarena no interior do capacete, e que faz questão de se afirmar 100 por cento catalão, é também "frio" em competição, capaz de um "grande controlo sob pressão". "Na minha vida nada foi fácil", diz no mesmo documento. "Desde os 15 anos que compito com pilotos mais velhos do que eu e que, provavelmente, são a melhor geração de sempre do automobilismo mundial."
Ser precoce é moda
A estreia de Alguersuari baterá mais um recorde na Fórmula 1, sendo mais uma prova da tendência de os pilotos chegarem ao topo cada vez mais cedo. Basta olhar para o actual leque de pilotos da competição. A média de idades (27, 25 anos) até engana, porque ainda resistem alguns veteranos, como Rubens Barrichello (37 anos), Giancarlo Fisichella (36) ou Jarno Trulli (35). Mas a maioria destes homens entrou na Fórmula 1 muito cedo. Para sermos mais rigorosos, apenas três dos actuais pilotos (Kovalainen, Webber e Sutil) chegaram depois dos 23 anos. Alonso estreou-se com 19, Vettel também. Massa, Rosberg, Button e até Barrichello tinham apenas 20 anos, quando se iniciaram ao volante na mais importante competição automobilística do mundo.
A grande diferença é que nos últimos anos se acentuou a tendência para a aposta na juventude e quase todos os recordes de precocidade foram batidos. Em 2008, Lewis Hamilton tornou-se o mais jovem campeão mundial de sempre (23 anos e 300 dias). No mesmo ano, Sebastian Vettel tornou-se o mais novo a ganhar uma corrida (21 anos e 73 dias) e o mais jovem a conquistar uma pole position (21 anos e 72 dias). Um ano antes, o mesmo alemão tinha conseguido mais dois recordes: ser o mais jovem a obter pontos na Fórmula 1 e o mais novo a liderar uma corrida, pelo menos durante uma volta. Em 2006, também tinha caído outro recorde: Nico Rosberg transformara-se no mais jovem a estabelecer a volta mais rápida.
Todos estes dados servem para mostrar que a Fórmula 1 está mais jovem do que nunca. Porquê? Os especialistas dão explicações fáceis de compreender. "Estes rapazes começam cada vez mais cedo nos karting, que são hoje competições muito violentas. Ganham depois tarimba nas Fórmulas menores. Um bom piloto aos 16 ou 17 anos, como aconteceu com Nico Rosberg, pega num Fórmula 1 e faz tempos aproximados aos dos pilotos oficiais", justifica Paulo Pinheiro, director do Autódromo do Algarve.
Nuno Couceiro, que gere a carreira de vários pilotos, e Filipe Albuquerque acrescentam mais duas razões. Uma é que a aposta em jovens permite que, no auge físico (23 ou 24 anos), os pilotos já tenham muita experiência. O outro motivo é financeiro. "O salário de um jovem piloto é muito mais baixo e alguns até pagam para correr", explica Nuno Couceiro. Além disso, Alburquerque salienta que os jovens "normalmente arriscam mais, são mais destemidos".
Jaime Alguersuari beneficia desta tendência pró-juventude, mas também há razões particulares na origem da ascensão do jovem catalão. O talento, claro, é uma delas, ou não fosse Jaime campeão britânico de F3 e campeão espanhol de karting. Nuno Couceiro acrescenta outras duas justificações: "Uma é a Red Bull [dona da Toro Rosso] poder dizer que tem o piloto mais jovem de sempre, que é importante em termos de marketing. Outra é captar a [petrolífera espanhola] Repsol, principal patrocinadora de Alguersuari. Como o Jaime, há algumas dezenas de pilotos. Temos dois portugueses com capacidade para estar na F1, que são Álvaro Parente e Filipe Albuquerque", defende Nuno Couceiro, regressando à velha questão da falta de peso de Portugal.
Alguersuari, porém, é alheio a tudo isto. Concretizou o que qualquer piloto deseja. Atingir a Fórmula 1, onde chega com um estatuto especial. A precocidade garante-lhe mediatismo, mas também uma enorme pressão. "Os olhos de todos estarão em cima de Jaime, não para saber se o faz bem ou mal, mas simplesmente para saber se o consegue fazer", diz o pai. Alguersuari terá, assim, um teste de fogo, embora o objectivo principal seja mesmo o de aprender. Os responsáveis da Toro Rosso também não esperam nada de especial nas primeiras corridas. "Tenho consciência de que enfrento um desafio difícil, mas não me preocupa. Sei o que se espera de mim e o que posso fazer na F1", disse o piloto esta semana. E, embora o lema de Alguersuari seja "hasta la victoria siempre" (frase de Che Guevara, de que é grande admirador, que tem no site oficial), o pai do piloto não quer fazer comparações com Fernando Alonso ("o melhor"), nem apontar como objectivo fazer melhor do que o 12º lugar que o asturiano conseguiu na sua estreia na Fórmula 1. Para Alguersuari (pai), o grande objectivo de Alguersuari (filho) é acabar a corrida. "As melhores características dele são a inteligência e a capacidade de terminar a corrida. Eu comparo isso a fazer maionese, em que é preciso bater insistentemente sem deixar talhar."
Fazer maionese neste é caso é ter a paciência de aprender em corrida e apagar a inexperiência. Diz o pai: "Se Jaime acabar os oito Grandes Prémios deste ano, e fizer mais os 3000 quilómetros de pré-temporada no Inverno, chegará a Austrália 2010 [primeira prova do ano] com 19 anos, mas já com 10.000 km de F1." E então poderá pensar em algo mais do que terminar a corrida.
2 comentários:
Eu não sei se é verdade, mas antigamente os pais dos pilotos tinham à volta de 50 anos quando os filhos se estreavam na F1 e não falavam, porque na maioria das vezes já tinham netos e os próprios filhos, ou seja os pilotos a sério respondiam às perguntas!
Um grande abraço Speeder
Nos jornais de desporto em geral falam pouco na F1 e quanto mais num jornal generalista, parece que o nosso pais esta a evoluir para a F1.
Grande Abraço!
Kimi_Cris
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