No dia seguinte, pelas nove da manhã, Alexandre desceu ao salão, fresco que nem uma alface. Parecia algo louco, sabendo que cinco horas antes, estava em amena cavaqueira com mais seis pilotos e uma jornalista, todos tocados, ora a jogar bilhar ou cartas. Ali se toparam as perferências alcoolicas dos intervenientes. Se a maioria preferia whisky, como Brasseur e Ortega, já Guarini e Monforte eram fãs do Martini, acompanhado por Medeiros, que nem era grande apreciador das agora chamadas "bebidas brancas". Já Antti Kalhola não bebia nada, pois tinha "aterrado" no sofá do salão, de tanta sangria que tinha bebido. Suspeitava que, se aquilo não tinha sido a primeira bebedeira, então ele já não bebia há eras.
Em substituição do finlandês ficou a sildava, que parecia competir com o francês pelo título da melhor esponja do salão. Jogavam ambos snooker, enquanto que os outros quatro (com o "barman" a substituir o adormecido Kalhola) decidiram jogar poquer até perto das duas da manhã, altura em que o dono do bar do hotel praticamente os "escorraçou" de lá. Boa oportunidade para dormir, e foi o que fizeram.
No dia seguinte, ele sentou-se na mesa e pediu um café americano, negro como breu, numa grande chávena, com dois cubos de açucar, acompanhado por duas torradas. Tinha ido comprar o francês "L'Equipe", para ler as novidades desportivas. Ainda nenhum dos seus amigos se tinha levantado, quando viu pelo canto do olho a menina Lencastre, ainda com a roupa da noite anterior, e com visiveis sinais de ressaca. Ao ver a cara fechada e o andar algo cambaleante, sorriu.
- Bom dia.
- Não grite, que a minha cabeça não aguenta...
- Já tomou uma Aspirina?
- Não, mas preciso. Aiiii... o que fui fazer?
- Brincou com o fogo e queimou-se, presumo.
- Por aí...
- Com quem é que foi dormir?
- Não é da sua conta, respondeu.
- Irei saber. Nós somos muito desbocados e gabarolas. E ainda antes do Mónaco. Vai lá?
- Se sobreviver a esta dor de cabeça... Ai.
- Vou perguntar se há uma farmácia perto. Pode ser que tenham aspirinas à venda.
- Como é que você está aí, fresco que nem uma folha?
- Estou habituado. E não bebo que nem uma doida, como vocês...
- Vocês quem? O rapaz também bebeu muito.
- O Antti? Ah... pobre coitado, não está habituado. Estou a gostar dele como pessoa.
- Sabe... acho que vou aceitar essa aspirina... Ai esta cabeça que me doi!
--- XXX ---
Passados dois dias, Alexandre estava de volta a Monforte, para descansar em casa. Podia o fazer até pelo menos o dia 5 de Maio, porque depois ia para o Mónaco, fazer a terceira prova do campeonato. Nesse dia, estava previsto fazer uma entrevista à Tribuna de Monforte, o jornal da sua terra, e depois de a fazer, chega a casa com uma mensagem para ele.
- Alexandre, telefonaram-te de Coburgo.
- Quem?
- Uma senhora. Aparentemente quer falar contigo sobre uma entrevista.
- Outra? Acabo de vir de uma... deixou algum recado, numero de telefone?
- Aparentemente não, filho, disse.
- Assim não posso fazer nada... olha, que me telefonem de novo, respondeu, enquanto caminhava para o salão, pegando um jornal pelo caminho.
Passados uns minutos, o telefone ligou de novo, e a sua mãe foi atender. Depois de um momento, pousou o auscultador e veio ter com ele ao salão, onde lia o jornal e saboreava um Moscatel.
- Telefone, é a senhora de Coburgo.
- Suspeito quem ela seja, mamã, disse ao mesmo tempo que se levantava da cadeira para ir atender.
Foi ter à mesinha onde estava o telefone preto, pegou no auscultador e colocou ao ouvido:
- Estou sim?... Ah, como vai?... Já está curada? Ainda bem!... Ah é, está bem, quer quando? Amanhã? Tão cedo? Mas porquê?... Ah, foi iniciativa sua? Está bem, pode ser. Descansa que, se for despedida, peço ao director do "Tribuna de Monforte" para o acolher... Está bem, está bem, eu faço isso. A que horas?... E em que comboio?... Otimo, pego-a na estação, às dez em ponto! E almoçamos no melhor restaurante da cidade, que tal, hmmm?... Não, não, é tudo profissional, apenas estou a ser ultra-simpático... descanse, sobre isso descobrirei depois, ahah! Então até amanhã.
Desligou o telefone e a sua mãe perguntou:
- Não a trazes para aqui?
- Não, mãe. É trabalho, é trabalho.
- Mas normalmente trazes a todos...
- O que aconteceu no ano passado foi porque eles precisavam de lugar para ficar no fim de semana da corrida. Aí fui prestável, mas é apenas uma excepção, e vai ser assim da próxima vez que acontecer, lá para o final de Setembro.
- Então, sê simpático com ela, está bem?
- Mãe, não preciso que me arranjes namorada. E é tudo trabalho.
- Mas acho que deves arranjar alguém...
- Tenho todo o tempo do mundo para isso, descansa.
- É isso que tenho medo. Eu vi o que aconteceu em Espanha...
- Mãe, ninguém morreu. Já os vi e estão todos bem.
- Eu sei... mas por quanto tempo é que continuarão assim?
- Espero que seja por muito tempo, mas não sou adivinho.
Fez-se silêncio na sala. Alexandre depois disse:
- Vou para o escritório. Daqui a bocado vou para o quarto descansar, pois amanhã é um dia longo.
--- XXX ---
Pelas dez da manhã, Teresa sai do comboio que tinha trazido de Coburgo com uma pasta grande a tiracolo, maior do que a carteira que normalmente as mulheres usariam. De facto, esta tinha lá dentro um gravador ultramoderno, de fabrico japonês, e que tinha lá dentro algo novo chamado cassete, onde em vez de duas bobinas com fita, era um dispositivo equivalente, de cor branca, de uma marca alemã, com fita, mas de tamanho muito pequeno.
Mal transpôs o hall de entrada da estação, que estava meia cheia com as pessoas que tinham desembarcado do comboio, começou a procurar o carro mais vistoso que poderia lá estar. Encontrou Alexandre encostado, não a um Mercedes ou um Porsche, mas a um comum Citroen DS "Boca de Sapo", de cor negra, quase como se fosse um taxi. Na realidade, ele tinha vindo no carro da sua mãe, enquanto que o seu pai estava na Adega Cooperativa a tomar conta do negócio de vinhos. Antes que pudesse dizer os bons dias, ela abriu a boca e disse:
- Dormi com o Brasseur.
Alexandre arregalou os olhos e deu uma sonora gargalhada, que durou uns dois minutos. Depois acalmou-se e disse.
- Era óbvio, mas a minha grande surpresa no meio disto tudo foi que tenhas sido tu a contar, e não aquele franciu gabarola... entra, vamos comer qualquer coisa.
(continua)
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