10 de Abril de 1970, dia da corrida.
Alexandre de Monforte encosta o seu carro à boxe, feliz por ter levado o seu carro até ao fim sem problemas de maior. As pessoas aplaudem o vencedor, que naquele momento sai da espécie de escudo montado pelos jornalistas e fotógrafos, escoltado por um oficial do Automobile Club du Monaco, sobe as escadas para ter junto do Principe Ranier e da sua esposa, a ex-Grace Kelly. Pierre Charles de Beaufort, com a sua barba aparada e o seu penteado aprumado, já que teve tempo para pegar no pente que tinha no seu bolso, subia as escadas para receber o troféu de campeão e a coroa de louros.
Recebeu os cumprimentos dos principes e depois desceu alguns degraus para ficar em sentido e ouvir os primeiros acordes da Marselhesa. Pierre de Beaufort estava satisfeito, pois finalmente tinha alcançado o objectivo de ganhar aqui, no Monaco. Era o primeiro francês a fazê-lo, desde Maurice Trintignant, em 1958. Aliás, o velho Trintignant lá estava, a assistir e certamente a aplaudir os feitos de alguém que finalmente poderia ser um digno sucessor seu e alguém do qual a França se poderia orgulhar. E também conseguira algo inédito: um francês, num carro francês e com motor francês, tinha ganho no Mónaco.
Mas o filme da corrida envolveu um pouco de tudo, até uma reviravolta digna de um filme de Alfred Hitchcock. E o piloto que subia ao pódio para receber o troféu do segundo classificado, o alemão Pieter Reinhardt, estava de cara fechada, e sorrindo timidamente quando recebeu as breves palavras de alento por parte do Principe Ranier. Ao contrário do terceiro classificado, o mexicano Teddy Solana...
- Parabéns. Mais um resultado nos pontos.
- Obrigado, Pete. Mas acho que tive sorte no meio disto tudo. Sem problemas e o pódio era meu.
- De facto... teres um furo e acabres em quarto lugar, e um feito.
- Ainda não te disseram, querido? perguntou Pam.
- O quê?
- Fizeste a volta mais rápida, respondeu Pete.
- Hã? A sério? Nesta carroça datada?
- Incrivel, mas real. Foi mais 0,8 segundos do segundo classificado, mas conseguiste.
- Também, com a luta que tive com o Van Diemen...
- Confesso que fiquei impressionado com o teu estilo de condução. Não é qualquer um que consegue chatear um belga e ainda ter força para ir atrás do Teddy. Tiraste cinco segundos em duas voltas e acabaste colado a ele.
- Tive sorte, apenas. Pete, podemos falar?
- Claro, respondeu.
Ambos foram para um canto e Alex perguntou:
- Quanto é que queres por um dos teus chassis?
- Como?
- Quero comprar um dos teus Apollo.
- Bom... oito mil libras.
- Quanto é que tu abaterias por devolver o Eagle?
- Talvez uns dois mil, 2500... porquê?
- Pete... tenho consciência dos meus limites. Este carro já deu o que tinha a dar. Ali na pista, eu dei tudo, numa máquina que a afinei até ao limite. Tirei tudo de mim e dele, mas francamente... a minha sorte com este carro, para este ano, acabou. E vou provar isso em Spa-Francochamps. Logo, o que queria era ter um dos teus chassis em Zandvoort, pelo menos. Preciso de me manter competitivo, Pete. Tenho seis pontos neste momento, algo que muitos dos de fábrica. E acho que começam a olhar para mim com outros olhos.
- Isso já notei. Vou pensar nisso com mais calma...
Ambos foram interrompidos por John O'Hara. Ar algo triste, mas ao menos tinha cumprido a sua missão.
- Então, grande reviravolta, hein?
- Ainda não estou em mim, rapaz... nem no meu tempo de piloto me tinha acontecido uma coisa destas. É mesmo sinal de que, se queres ganhar, tens de primeiro cortar a meta.
- Mas então, o que aconteceu?
- Ainda não sabes, míudo? O Reinhardt perdeu uma corrida na última curva!
- Hã? Mas como?
- Não travou onde devia. E o Beaufort passou-o, afirmou Pete.
- A sério?
- Logo à noite devem mostrar na televisão. Mas é verdade: um duelo entre os dois que acaba na Curva do Gasómetro, onde ele sai de frente e dá a liderança ao Beaufort. Ele só liderou 125 metros em oitenta voltas, e é o vencedor. Incrível!
De facto, era mesmo incrivel. A corrida começou com Beaufort a largar mal e a ser superado por O'Hara, Reinhardt e Monforte. Na volta seguinte, livra-se do "rookie" sildavo e parte em perseguição a Reinhardt, que tinha sido superado por O'Hara na Curva do Gasómetro. O irlandês tratou de se afastar do pelotão, mas na volta 28, trava tarde no Mirabeau e sai em frente. Volta à corrida, atrás de Reinhardt e Beaufort, mas não sabia era que os seus travões estavam a cader. Duas voltas depois, não consegue travar a tempo na Ste. Devôte e bate nos rails de protecção, entortando o eixo traseiro e desistindo logo de seguida.
Entretanto, Monforte era terceiro classificado, atrás de um pelotão que faziua tudo para o apanhar. Primeiro o Ferrari de Patrick Van Diemen, depois para o Apollo de Teddy Solana, e depois para o BRM de Bob Turner. Monforte dava tudo por tudo pelo carro, e os seus adversários se viam aflitos para o alcançar, quanto mais o ultrapassar. E então, na volta 51, Monforte tem um furo lento, na chicane do porto, e assim que notou que o carro estava desiquilibrado, rumou à boxe, apanhando todos de surpresa.
- O que foi?
- Tenho um furo.
- Onde?
- Roda traseira direita. Tenho a certeza.
- Bateste em alguma coisa?
- Não. Mas mudem-me a roda, rápido!
Os mecânicos fizeram o que podiam, mas perderam mais de 40 segundos a colocar uma roda nova. Quando assim o fizeram, Monforte era oitavo, fora dos pontos, e com menos uma volta do que a dupla que se degladiava na frente: Reinhardt vs Beaufort.
Q
uando Monforte voltou á pista, começou a guiar como um doido, tentando recuperar o tempo perdido. Quando Pam começou a monitorizar os tempos dele, ficou surpresa. Não com o ritmo imposto ou o tempo em si, mas pela sua consistência. Por aquela altura, os da frente faziam 26,5, 26,8. Monforte fazia voltas seguidas a 27,0, 26,9. E foi assim durante mais de vinte voltas: a dar o melhor, numa máquina totalmente datada, mas incrivelmente afinada.
Apanhou os seus rivais em relativamente pouco tempo, e esperou pelos seus azares. Primeiro, Turner rebentou o motor na volta 62, depois de ter ultrapassado Bernardini na volta 55. Foi atrás de Van Diemen durante voltas a fio, e este andava claramente a bloqueá-lo nas voltas anteriores à sua ultrapassagem, na volta 75. E na volta seguinte, faz a sua primeira volta mais rápida: 1.25,3.
Na sua frente, Reinhardt e Beaufort lutavam pelo comando. Ambos davam tudo por tudo a cada curva, a cada canto. Já eram máquinas cansadas de tanto curvar, de tantas marchas trocadas... mas continuavam. Mais atrás, Monforte andava no limite, como que a querer mostrar alguma coisa. Na realidade, tentava o impossivel: apanhar Teddy Solana. Quando começou a ver a placa de que estava a meros sete segundos, a cinco voltas do fim, imprimiu um ritmo alucinante para o tentar apanhar. Em duas voltas, conseguira tirar meros dois segundos por volta a um mexicano muito mais lento do que ele.
No final, parecia que estava na sua própria batalha, querendo provar alguma coisa. Talvez que era piloto e que não o esquecessem. Pete ficou aflito, pois o queria que ele abrandasse e segurasse os três pontos. Na volta 79, faz 1.24,7, melhor do que o 1.25,0 de Reinhardt e 1.25,1 de Beaufort.
E nesse inicio de volta, Reinhardt é o lider, com Beaufort a pressioná-lo. Mas as suas máquinas estão no limite. Na subida do Casino, o francês trava tarde demais e quase sai de pista, dando uma vantagem com mais de setenta metros sobre o alemão. Parecia que tinha tudo acabado. Mas na descida do Mirabeau, os travões de Reinhardt começavam a ceder. Estes respondem mal e quase sai de pista. Na realidade, eram dois pilotos no limite dos seus carros.
Beaufort tenta passá-lo, mas Reinhardt fecha-lhe a porta e continua na frente no Gancho. Na Viragem do Portier, ambos os carros travam cuidadosamente, para não os desgastarem ainda mais, e aceleram para o Túnel. Ambos estão colados quando fazem a chicane do Porto. Beaufort trava mais cedo para se precaver de alguma falha, e dá espaço a Reinhardt. E se calhar foi isso que o salvou de uma derrota, pois a seguir, na Curva do Gasómetro, Reinhardt trava a fundo... e o carro não respondeu.
Ele segue em frente, vira o volante todo à direita e as rodas reagem, mas o piso, que já estava escorregadio, não colabora. O carro vira, mas tarde, e bate de lado nos fardos de palha. Beaufort assiste à cena toda na pista e trava cedo, tentando controlar a euforia por ver o seu rival encostado. Friamente, fez a curva enquanto este estava desesperado para sair dali. Demorou 25 segundos para o fazer, mas conseguiu. E por essa altura, já Beaufort estava rodeado pelos seus mecânicos, o seu director desportivo e os reporteres franceses rodeavam-no, o vencedor inesperado do GP do Mónaco de 1970.
Mais atrás, Pieter Reinhardt parava o carro depois da bandeira de xadrez. Mudo e quedo no seu carro, olhava para a multidão que cercava o seu rival. Estava zangado. Zangado consigo mesmo por ter deixado fugir esta oportunidade de vitória, desconhecendo como é que todos iriam reagir, a começar pelo seu chefe. Bruce foi o primeiro a aproximar-se e a estender a sua mão para dizer: "Well Done. Conseguiste seis pontos, são importantes no campeonato, Old boy. E temos máquina!"
Atrás dos quatro primeiros, Beaufort, Reinhardt, Solana e Monforte, acabavam o Ferrari de Patrick Van Diemen e o McLaren de Peter Revson, que chegaria à frente do último classificado, a cinco voltas do vencedor, o outro McLaren-Lamborghini de John Hogarth. Pelos vistos, era uma máquina fiável, mas lenta, e faltava saber como é que se iria comportar num circuito de ponta como seria Spa-Francochamps. Era uma grande incógnita que só dali a três semanas é que se iria saber. E tal como nas duas provas anteriores, iria haver um limite de inscritos, embora nas Ardenas seria de dezoito.
Enquanto todos falavam, discutiam, celebravam e amargavam, Pieter continuava a estar fora dali. Ainda pensava como é que tinha deixado escapar aquela vitória daquela forma. Deveria ter sido ele a recber a taça de vencedor e o hino a tocar deveria ser o alemão e não o francês. Estava triste, e foi com um sorriso triste que recebeu os parabéns pela corrida bem disputada e pelo segundo lugar. Um segundo lugar bem amargurado.
Aos poucos, passaria do choque para a resignação. Foi vê-lo e deu abraço, e ao afastar, disse a Bruce:
- Foi bom, mas neste momento o que quero é embebedar-me para tentar esquecer esta tarde.
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