sábado, 6 de agosto de 2011

Sobre os eventos de Nurburgring, um relato de quem esteve no local

Peter Windsor é uma pessoa que faz parte do mobiliário da Formula 1. Pode ter feito muitas coisas que não são própriamente fantásticas, como o caso da USF1, mas o fato de ter trabalhado em sitios como a Williams, por exemplo, faz com que tenhamos respeito e admiração. Para terem uma ideia do que ele passou, era um dos passageiros do carro que Frank Williams conduzia quando ele teve o acidente que o paralisou do pescoço para baixo, no inicio de 1986.

Depois da aventura USF1, Windsor decidiu fazer o que melhor sabe: ser jornalista. E aproveitou bem as novas tecnologias, como a Internet, para fazer um programa de rádio e TV, chamado "The Flying Lap", que também tem o seu blog, de seu nome "The Race Driver". E na segunda-feira, dia 1 de agosto, não esqueceu os eventos de 1976, especialmente agora que vai haver um filme sobre Niki Lauda e James Hunt. E o seu relato, para mim, é simplesmente impressionante, pelos seus detalhes e por aquilo que ele teve de recordar. Li muita coisa nesse blog, mas de longe deve ser o melhor que já li, não só ali, como provavelmente em toda a blogosfera em muito tempo.

Decidi traduzir-vos alguns parágrafos desse post para ficarem com uma ideia:

"Zolder, 15 de maio, 4:30 da tarde

Niki Lauda está à frente do seu trailer pessoal, com os jornalistas à sua volta. Ele quer explkicar as razões porque não quer guiar no Nurburgring até que a organização não mude radicalmente o seu desenho. 'Aqui em Zolder devo ter provavelmente 70 por cento de hipóteses de morrer no meu carro, caso algo de mal acontecça. Sou piloto de corridas. Tenho plena consciência de que irão acontecer acidentes e que alguém poderá morrer aqui em Zolder. Mas ao menos neste circuito tenho uma hipótese de sobrevivência, caso algo de mal aconteça.

Em Nurburgring não tenho tal hipótese. É de cem por cento. Porque é que Zolder tem de se reger por um "standard" e Nurburgring por outro? Nos outros circuitos temos áreas de escape e redes de segurança, porque é que Nurburgring tem de ser diferente? É pelo seu nome? É pela sua importância? É porque é ali que querem ver a classe de um piloto em vez de ser noutro? Acho que é pelos acidentes.'"

(...)

Boxes de Nurburgring, Sábado à tarde [31 de julho]

Ronnie Peterson, dentro do seu casaco de rali, espreita para a pista molhada quando aparece Lauda.

- Não há hipótese da pista secar antes do final do treino, diz o sueco.
- Não, nada - responde Lauda - Fiz muitas modificações no meu carro e se calhar vou começar a corrida amanhã sem as experimentar. E tu, quantas voltas deste?
- Seis.
- E?
- Bom, ainda estou aqui... Bom, tivemos alguns problemas. Vittorio (Brambilla) saiu de pista esta manhã. E é ele que toma conta do nosso departamento de testes!

Depois, para mudar de assunto, Peterson fala sobre Osterreichring, o próximo grande circuito no calendário.

- É um circuito fabuloso. Tenho pena que seja modificado - disse.
- Sim, mas aquela curva depois das boxes é muito veloz. Já colocaram a chicane? (colocada após o acidente mortal de Mark Donohue no ano anterior)
- Não, o que fizeram foi colocar a curva mais para dentro. Agora faz-se quinta a fundo, com maior área de escape.
- Seria melhor se colocassem uma bela chicane feita em terceira. Tal como vão fazer em Watkins Glen.
- Eu acho que não. Estive lá há duas semanas, numa prova com a BMW, e parece que não vão fazer as modificações...
- Não vai haver uma nova curva no The Glen? Vou mas é falar com o Bernie. Onde está o Bernie?...

Se alguém fez muito para defender os interesses dos pilotos nessa altura foi Bernie Ecclestone, da Formula One Association. Sob sua supervisão, todos os pilotos, excepto dois - Jochen Mass e Jacky Ickx - assinaram uma petição muito antes de chegarem a Nurburgring. Caso o circuito não seja substancialmente alterado para 1977, com novas áreas de escape nas partes mais rápidas, os pilotos não correriam mais por ali.

Contudo, no circuito, eram poucos os que admitiam a petição. Na Alemanha, e nesse final de semana, era mais fácil dizer 'Sim, gosto do The Ring, é um desafio. Era capaz de correr lá de novo'.

Contudo, Lauda é sincero, mesmo quando é fortemente criticado num programa de TV local, quando lhe dizem que é contra o Ring porque sempre teve acidentes por lá. Ele está agastado com as criticas, mas não cede: considera que o The Ring é perigoso e vai correr porque a maioria dos seus companheiros decidiu nesse sentido na reunião da GPDA. Mas faz questão de mostrar que está contra."

(...)

Bergwerk, 2:30 da tarde [1 de agosto]

Os lugares a seguir ao primeiro estavam em aberto. Hunt queria assegurar o segundo lugar, Tal como Pace fazia com o seu terceiro posto, mas mais atrás era uma luta com o asfalto, com Lauda a perder-se na longa fila de pilotos que ainda tinham os pneus de chuva.

O acidente de Lauda aconteceu na subida rápida após a Ponte Adenau. Marcas de raspagem no asfalto, aliadas a duas fortes linhas de travagem indicam que o Ferrari de repente "caiu" no asfalto, provavelmente devido a uma falha na suspensão, e que Lauda travou no asfalto seco. Mas a aquela velocidade, Lauda pouco podia fazer.

O Ferrari virou para a direita e bateu nas redes de proteção, ricoheteando para o outro lado. No embate, as estrututas do lado esquerdo foram arrancadas pelo impacto, deixando um rasto de combustivel que imediatamente pegou fogo. Guy Edwards tinha conseguido passar no momento em que Lauda bateu, mas Brett Lunger e Harald Ertl não tiveram tanta sorte e bateram no Ferrari em chamas.

O carro finalmente descansou do outro lado da pista, ainda em chamas. Edwards, Lunger, Ertl e Arturo Merzário correram para o carro, na ausência de comissários de pista equipados para combater aquelas chamas. Ertl pegou num extintor, enquanto que Chris Amon e Hans Stuck pediam socorros.

A tarefa não era fácil. O calor era imenso e os cinto de seis pontos de Lauda recusava-se a abrir. Lunger subiu para cima do carro para tentar tirá-lo dali, mas houve uma contrariedade: o seu capacete AGV tinha sido retirado, pois Lauda tinha já uma clavicula partida (provavelmente no embate contra as redes de proteção). Agora, sem a proteção adicional do capacete, sofria cada vez mais das queimaduras, inalando os fumos tóxicos do seu chassis de fibra de vidro e sem o oxigénio necessário para suportar esses fumos. Após um minuto que parecia ser muito longo, Lauda conseguiu ser retirado do seu carro e Merzário tirou a sua balaclava. Lauda ainda conseguiu dizer: "A minha cara está muito queimada?"

Cerca de cinco minutos mais tarde - retido devido à confusão instalada em Adenau - chegou uma ambulância para levar Lauda. Ele foi depois levado para o Hospital de Adenau, depois transfeido para a clinica de Ludwingshafen, especializado em transferências de pele, e depois para o Hospital Universitário de Mannheim. Foram-lhe diagnosticados queimaduras graves e ferimentos internos, especialmente nos pulmões, e estava em estado critico. Alguns dias depois estava consciente en Mannheim, mas não podia falar. Iria encarar duas crises, um alguns dias mais tarde, a outra duas semanas depois."

(...)

Paddock de Nurburgring, domingo à noite

Em circunstancias normais, apreciar-se ia a condução de Hunt, a velocidade dos Brabham-Alfa ou as duas paragens necessárias para mudar os Tyrrell de seis rodas para slicks. Em vez disso, todas a conversas convergiam-se para o mesmo sitio: Niki Lauda tinha batido no mesmo estilo de curva do qual ele tinha criticado. Era rápido e sem escapatória. Esta ironia iria ter duas consequências: nunca mais haveria corridas no The Ring enquanto tais curvas existirem e de agora em diante, o mundo das corridas vai encarar os avisos dos pilotos de forma mais séria. Esses eram os objetivos da causa de Lauda. Tal como as suas corridas, pensa longamente insistentemente sobre a segurança. E para ele, não havia nada menos profissional do que aquela habitual histeria bane-o-circuito-por-causa-do-acidente. Ele queria fazer as coisas de forma mais racional, e agora provavelmente poderia não ter mais essa chance."

No final desta impressionante história sobre esse final de semana de há 35 anos, Peter Windsor contou o que se passou com alguns dos que salvaram Niki Lauda dos restos fumegantes do seu Ferrari. O que mais me impressionou tem a ver com Guy Edwards, um dos pilotos que guiava o Hesketh. Na altura com 33 anos, recebeu a Queen's Galantry Medal, pelos seus esforços em salvar Niki Lauda, tal como tinha acontecido a Mike Hailwood, quando tentou salvar Clay Regazzoni no circuito sul-africano de Kyalami, em março de 1973, e especialmente David Purley, quando tentou inutilmente salvar Roger Williamson, em julho desse mesmo ano, em Zandvoort.

Atualmente tem 68 está gravemente enfermo numa casa de repouso britânica. em um filho, Sean Edwards, que corre na Porsche Supercup britânica.

Em claro contraste, o americano Brett Lunger, que na altura guiava o Surtees oficial, e que tinha sido um antigo "Marine" com experiência de combate no Vietname, era proprietário de um serviço de ambulâncias aéreas nos Estados Unidos.

No ano em que sabemos que vai haver um filme sobre esta temporada e os pilotos que estiveram envolvidos nela, ao ler relatos de testemunhas como Peter Windsor, faz-me lembrar que no ano em que nasci - este acidente aconteceu três semanas depois do meu nascimento - a temporada teve muito de competição, como de drama e suspense. apareceram máquinas estranhas, como o Tyrrell P34, houve uma primeira parte de dominio dos Ferrari com resposta dos McLaren. Houve polémica na pista e fora dela e pilotos com carisma suficiente para defenderem os seus pontos de vista e que tiveram de quase perder a vida para provar que tinham razão no que defendiam.

Algumas semanas antes, apanhei no Youtube um programa de TV sobre o GP da Grã-Bretanha de 1976, em Brands Hatch, marcado pela carambola em Paddock Hill Bend e pelas confusões nas boxes por causa dos regulamentos sobre quem poderia alinhar na segunda partida ou não. Ao ver a multidão a gritar em uníssono: "We Want Hunt, We Want Hunt", aprecebi-me do drama que houve. E no final, ouvi o apresentador falar "do final hollywoodesco" da temporada. Não era preciso ser tão premonitório, mas digo isto: os ingredientes estão lá, espero que os "cozinheiros" contratados façam um excelente prato, porque este capitulo da história da Formula 1 merece tal coisa.

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