Confesso que queria voltar à activa somente após o GP da Belgica, mas achei antecipar este regresso por um bom motivo em especial: falar sobre a inédita efeméride dos trezentos Grandes Prémios de Rubens Barrichello. É certo que poderá ter corrido em 296 ou 297, mas para sermos rigorosos, esteve presente em trezentos fins de semana na categoria máxima do automobilismo, desde 1993, sem paragens.
Aos 38 anos, Rubinho continua a correr. Não deve ser pelo dinheiro, porque já deve ter ganho o suficiente para três vidas, mas tem de ser pelo gosto em correr. Pode-se interpretar tal coisa como teimosia ou a busca de algo que não irá alcançar, que é o título mundial, mas o facto de persistir num meio tão elitista, onde ficar cinco épocas e não sendo um piloto de primeira linha, é um feito inacreditável, quer queiramos, quer não. E de certeza que deve ter qualidades ao qual as equipas ainda precisem dos seus serviços.
Estando de onde estou, consigo ter uma visão previlegiada sobre dois tipos de mundo: aqueles dos especialistas no jornalismo motorizado e dos engenheiros, e aquele do fã puro e duro. O brasileiro e o internacional. E são visões completamente antagónicas. No Brasil é muitas vezes visto como um perdedor nato, um "1B", um piloto que sempre se vergou ao alemão, motivo para piadas e gozações, com nomes que vão desde "Tartaruga" até "Rubinho Pé-de-Chinelo". Mas no núcleo mais duro da Formula 1, louvam a sua pericia técnica, a sua capacidade de decifrar os problemas do carro e da sua capacidade em resolvê-los, algo que por vezes os computadores mais precisos deixam passar. Deve ser por isso que Rubens mantêm-se na activa, depois de dezoito temporadas: ainda é uma mais valia.
Não é, não foi e nunca será, uma figura consensual. Foi fortemente cobrado pelos fãs, que o queriam logo depois de 1994 que fosse como Ayrton Senna. Sendo muito jovem na altura, resistiu mal essa pressão, primeiro na Jordan e depois na Stewart. Somente em 2000, já na Ferrari, é que venceu o seu primeiro Grande Prémio, numa das melhores jogadas de sempre da história do automobilismo, ao jogar com a pista relativamente molhada, com pneus secos, o suficiente para chegar ao final no lugar mais alto do pódio, batendo os McLaren e terminando um jejum de sete anos.
Acredito que sem as circunstâncias que rodearam a morte de Senna, Barrichello teria tido um crescimento mais condizente da sua carreira, e revelado com maior tranquilidade aquilo que é agora: um piloto do meio do pelotão, com capacidade de vencer quando a oportunidade aparece, mas nunca com a "estrelinha de campeão". Foi assim em 2009, com a Brawn GP, mas ele iluidiu-se com aquilo do qual não é capaz: ganhar campeonatos.
Mas muitos, especialmente no Brasil, acreditaram nisso no inicio da década passada, quando estava na Ferrari. Acreditavam que bater o alemão seria o suficiente para ser campeão do mundo e voltar a colocar o Brasil no mapa dos vencedores. Barrichello acreditou nisso, mesmo sabendo que estava na "coutada do alemão" e que não seria mais do que o seu escudeiro. Passou a ideia a aqueles que acreditaram nessa ilusão, e quando o viram ceder a vitória para Michael Schumacher, no infame GP da Austria de 2002, muitos o odiaram por essa manobra.
E claro, ele sofreu muito, particularmente no Brasil. Demorou muito tempo para apagar essa imagem, e ainda assim muitos não o deixam esquecer esse momento. E com o caso da Alemanha, foi como se o pesadelo voltasse à tona, embora não estivesse envolvido.
Barrichello, estamos certos, está na sua curva descendente de uma longa carreira. Teve a sorte de viver numa altura mitica da Formula 1. Correu com Ayrton Senna, Alain Prost, Nigel Mansell e Gerhard Berger a seu lado, viu entrar e sair dezenas de pilotos, viu na grelha equipas que não existem mais como Larrousse ou Arrows, correu contra carros como Tyrrell, Benetton ou Minardi, que agora tem outras cores, correu na Jordan e na Stewart, que hoje, após várias encarnações, são respectivamente Force India e Red Bull. E agora vive uma segunda juventude, uma época otima para os pilotos da sua geração. Sem testes, ou com testes nitidamente reduzidos, a experiência conta imenso, logo, os veteranos são chamados à acção. É por isso que vimos os regressos de Pedro de la Rosa e Michael Schumacher, e a permanência de outro veterano como Jarno Trulli, por exemplo. Nas equipas novas, como a Lotus, a experiência conta... e muito. Nesta segunda juventude, vai aproveitá-la até onde puder.
Estou convencido que o irei a ver correr em 2012, quando fizer quarenta anos. E em 2013, quando comemorar o seu 20º aniversário da sua carreira. Ainda tem prazer em ir para a fábrica todos os dias, de passear no "paddock" em todos os fins de semana de Formula 1, os seus serviços continuam a ser necessários e ainda tem na cabeça aquela "utopia" de que vai ser campeão do mundo. É certo que por essa altura continuarão a chamá-lo de "1B" e "Rubinho Pé-de-Chinelo", e ele pode arriscar a arrastar-se nas pistas, mas se nesta altura do campeonato, até Michael Schumacher está a jogar fora todo o seu prestígio, porque não o Rubens ficar por mais um tempo.
Quer queiramos, quer não, Rubens Gonçalves Barrichello garantiu o seu lugar na história, e o tempo, esse senhor muito sábio, vai demonstrar que foi muito mais do que uma mera "figura de corpo presente". Parabéns!
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