terça-feira, 24 de agosto de 2010

Grand Prix (numero 59 - o terceiro golpe)

Dublin, 26 de Junho de 1970

Enquanto que no Brasil ainda se festejava o tricampeonato do Mundo, ganho pela equipa de Pelé, Rivelino, Carlos Alberto e companhia, em Dublin, longas filas de irlandeses se faziam à porta do Castelo de Dublin, onde se seguia para o St. Patrick's Hall, onde o corpo de John O'Hara estava colocado.

Desde o momento em que se soube do acidente até ao seu desfecho fatal, na manhã de segunda-feira, toda uma Irlanda esteve a suster a respiração, rezando para que o inevitável não acontecesse. Nas horas a seguir à sua morte, uma delegação governamental foi à O'Hara House onde afirmaram que o governo e o veterano presidente Eamonn de Valera tinham concedido em conceder um funeral de estado ao seu filho, sabendo da sua importância para o país. Como o avô de John tinha ajudado os Irish Volunteers e tinha sido senador após 1922, e mesmo que Shioban não fosse muito fã dele, pois a sua familia tinha sido pró-tratado (ele foi contra) e era amiga de Michael Collins (que os seus alcólitos o mataram na Guerra Civil), aceitaram a oferta.

Shioban tinha conseguido ver o seu filho antes deste morrer. Estava a seu lado quando exalou o último suspiro, e vira a extensão das suas horriveis feridas pelo seu corpo. O Tio Arthur e a inconsolável Sinead estavam a seu lado, e foi ela que lhe deu forças para que mantivesse digna durante aquela altura muito dificil. No dia do seu funeral, no St. Patrick's Cathedral, a familia estava na primeira fila, com todos os pilotos na segunda. Bruce Jordan, Mike Weir e Pete Aaron estavam lá, bem como muitos pilotos e ex-pilotos, desde Stirling Moss a Dan Gurney. Até Tim Randolph, o seu companheiro na Cooper, estava no funeral.

O cortejo seguiu até ao cemitério de Glasnevin, onde à sua porta, e até ao jazigo familiar, foi levado por oito pessoas: o tio Arthur, Pete e outros quatro companheiros: Philippe de Beaufort, Teddy Solana, Bob Turner e Patrick Van Diemen. A sua irmã levava nas suas mãos o seu capacete branco com o Trevo de quarto folhas verde nos lados. Com uma guarda de honra e milhares de pessoas nas ruas, tinha sido a maior manifestação desde o funeral de Douglas Hyde, vinte anos antes.

Depois das cerimónas funebres, Pete não conseguiu ir ao escritório durante alguns dias. Estava tudo em dúvida: a continuidade do projecto, já que boa parte dele estava dependente do dinheiro proveniente do whisky O'Hara. Pete sentia-se abatido, e se nas vezes anteriores, conseguia continuar, desta vez era diferente, porque primeiro já não era piloto, e como chefe de equipa, as responsabilidades eram outras. E porque era grande amigo de John e da sua irmã Sinead.

Quando decidiu ir à sede pela primeira vez desde o funeral, fora sozinho, a altas horas da noite. Entrou pela porta da frente e acendeu algumas luzes. Foi para a oficina, puxou de uma cadeira que estava a um canto e observou. Viu os carros, montados e por montar, viu o que restava do Eagle destruido no acidente da véspera num canto e olhou para ele. Era o carro que John tinha usado na sua primeira vitória, na Cidade do México, cerca de nove meses antes. Ao vê-lo destruido, pensou que tinha chegado de uma certa maneira, ao final da linha. Naquele momento, apetecia desistir do projecto e voltar para a América. E foi com esse pensamento que foi para casa naquela noite.

No dia seguinte, acordou com um telefonema. A mulher Pam recebeu-o e constatou que do outro lado da linha estava Shioban O'Hara. Pete atendeu, prevendo o pior.

- Mr. Aaron, bom dia.
- Bom dia. Como vai?
- A vida continua, Sr. Aaron.
- Bem vejo, Sra. O'Hara. Creio que me telefonou por uma razão.
- Sim, caro Pete. Quando é volta a correr?
- Tenciono voltar em Brands Hatch, Sra. O'Hara.
- Trate-me por Shioban, Pete.
- Desculpe. E a Sinead?
- Está destroçada, a coitadinha. Adorava o irmão, sabe.
- Bem sei disso.
- Antes de correr em Brands Hatch tenciono tê-lo aqui para uma conversa, mas digo já uma coisa por telefone: não se preocupe com o contrato, que tenciono cumpri-lo. Sou uma mulher de palavra, Pete.
- Muito obrigado, Shioban.
- E já agora, Pete... se trouxer a sua amável mulher Pam, seria otimo. Sabe, eu não precisei de ser convencida para voltar quando o meu marido morreu. Tive o Arthur, que me ajudou a manter o negócio, e fez aprender uma lição: ir embora de algo quando aquele que amamos morre, é sinal de derrota. E fui educada a não tolerar insultos.
- Concordo plenamente, Shioban.
- E também lhe telefonei para lhe dizer isso: a sua equipa tem de continuar. Sou dona de um terço dela.
- De facto, é verdade, Shioban.
- Otimo. Compreendo que não apareça em França, e isso respeito. Mas em Brands, um de nós estará lá. Eu não, mas o Arthur quer conhecer a empresa. Receba-o bem, Pete.
- Assim seja.
- Uma pergunta final: já pensou no substituto do meu filho?
- Tenho um nome em mente.
- Otimo. Espero que honre as nossas cores.
- Assim seja.

--- XXX ---

Rouen, no dia seguinte.

A corrida de Formula 2 era certamente das mais concorridas do ano, onde para além dos pilotos que nela participavam no campeonato, estavam também a fina flor do automobilismo francês e alguns dos nomes consagrados da Formula 1. Para terem uma ideia, a Matra tinha... seis carros inscritos: dois para Beaufort e Carpentier, outros dois para Pierre Brasseur e Jean Picard, e outros dois para dois pilotos que faziam a Formula 3 local, mas que tinham mostrado potencial: Charles Dupont e o suiço Jean-Luc Dumas.

A Tecno tinha quatro carros: os dois oficiais, para Alexandre de Monforte e Alvaro Ortega, e outros dois carros para o italiano Michele Guarini, que instatisfeito com a Jordan, comprou um chassis Tecno e era assistido pela equipa oficial, e o jovem austriaco chamado Andreas Schubert.

A Jordan tinha a equipa em peso: Pedro Medeiros, Antti Kalhola, Bob Bedford, Brian Hocking e Pieter Reinhardt. Sem a Ferrari por perto na Formula 2, Patrick Van Diemen ajudava um construtor de chassis local, a Alpine, que tinha assistência financeira da Renault. Com ele estava o austriaco Manfred Linzmayer, e tinha dois jovens pilotos promissores: um francês de origem polaca, Marc Trochowski, e um holandês, Jan Koene. No final, estavam mais de quarenta pilotos, e até havia... uma equipa soviética.

Dois chassis, batizados de Mirny, estavam iscritos, e tinha como pilotos um veterano e um jovem promissor: Vladimir Samarin, de Moscovo, e Anton Korjus, de Tallin, na Republica da Estónia. Pouco ou nada se sabia desta dupla, apenas as suas idades: o russo tinha 34 anos, Korjus 21. E todos começavam a olhar com alguma curiosidade os seus carros e a sua performance. Seria um "one-off", ou era para ficar? Como passaram pelas verificações técnicas, estava tudo legal...

O ambiente estava um pouco sombrio pelos eventos em Zandvoort. Alexandre tinha vido directamente de Dublin, e a sua mente parecia não estar ali, mas sim noutros sitios. O seu tempo tinha sido péssimo para aquilo que costumava fazer, e não dava mais do que o meio da tabela. Deu para qualificar para a primeira meia-final da corrida, e tinha de ser décimo para entrar na final, no Sábado. Ele e o seu director tinham discutido e no final do dia estava chateado com tudo o que se passara. E foi assim que o encontraram os seus amigos piltotos à hora do jantar.

- Estás com uma cara, Alex... afirmou Michele Guarini.
- Estou a passar por um mau bocado, Michele. Não sei o que irei fazer à minha vida. Tenho dúvidas se deveria correr ou não. Ando zangado com toda a gente...
- Ainda pensas em Zandvoort?
- Ainda. E na conversa que tive com o John, a última.
- Vê-se mesmo que não queres comer...
- Sei lá... acho que preciso de uns dias para voltar ao normal.

Entretanto, Alvaro Ortega aparecia acompanhado por dois dos pilotos da Matra, Brasseur e Dupont. Charles tinha 25 anos e não era alto, mas muito louro e com olhos azuis, mais parecia ser nordico do que francês. Era jovial e estava a conhecer boa parte daqueles pilotos pela primeira vez.

- Prazer. Estás nervoso?
- Eu? Porquê?
- Ora... tens o Bob Turner do outro lado da sala, por exemplo. Tans aqui a fina flor da Formula 1 que veio fazer uma perninha para Rouen porque, mesmo que os nossos morram, ainda somos suficientemente malucos para guiar estes frágeis carros...
- Não te assustes. É o seu humor negro, afirmou Brasseur.
- Obrigado por disfarçares o meu estado de espírito, respondeu Alex. Mas não te assustes, és dos nossos, tenta é não exagerar na pista. Já sabes: um erro e... psscht! A morte do artista.
- Tás mesmo horrivel, Alex, afirmou Alvaro. Alex simplesmente sorriu.
- Boa sorte para amanhã, Charles.
- Obrigado.

Os dois foram embora, mas Alvaro fica na mesa, enquanto que os dois continuam a comer.

- Estás a assustá-lo...
- Se calhar não devia?
- Não agora, neste fim de semana...
- Ó Alvaro... deixa-te dizer o que foi a minha vida no último mês: vi dois pilotos que muito admirava morrerem em duas semanas e meia, na véspera da morte do John levo uma cambalhota de todo o tamanho que fico com as marcas da raspagem no meu capacete, e ainda por cima fodi o carro que conduzia, impedindo-me de correr na Holanda. E vim directo de Dublin, onde vi prá aí umas cem mil pessoas a chorar pelo herói morto. Eu vi a familia dele destroçada pela sua perda, e antes disso, vi o seu corpo queimado, a agonizar numa cama de hospital holandesa. A vida continua, mas tenho de te ser honesto: é um sapo dificil de engolir! exclamou.

Saiu abruptamente da mesa e foi para fora dali. Foi para o bar e pediu um Martini, ficando isolado de tudo e todos. Pouco depois, surge Bob Turner, o veterano dos pilotos presentes, que pede um Porto para digerir o jantar.

(continua)

Sem comentários: