quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A aposta espanhola


Quem conhece mais ou menos a indústria automóvel, sabe mais ou menos que está num estado de forte transformação, quer em termos de eletrificação - a Noruega, este ano, alcançou a marca dos 97 por cento de carros novos movidos a eletricidade - quer também na movimentação do eixo da Europa, América e Japão, para a China. E a grande razão foi a aposta na electrificação, numa altura em que nesses países, havia algumas hesitações nesse campo, do qual provavelmente agora terão de compensar o tempo perdido. 

E se as noticias das baterias de sódio se confirmarem, poderá ser não só um grande impulso para que as baterias fiquem bem baratas, como, se forem mesmo duradouras - falam em cem mil ciclos de média - poderá resolver o assunto em termos de transição energética, e se calhar, ajudar em outros problemas como as baterias solares. 

Mas não é bem sobre isso que quero falar hoje. É, se calhar, a entrada de novos concorrentes no mercado... e a ressuscitação de outras marcas do passado, graças às novas electrificações. Desde há uns anos a esta parte, surgem novas marcas em países sem história automóvel, como a Vinfast, no Vietname, e a Togg, na Turquia. E desde há dois anos a esta parte, em Espanha, marcas como a Ebro e a Santana reaparecerem, graças à tecnologia chinesa. 


A história... irei tentar ser curto nesse campo, mas não creio. A Ebro nasceu em 1954 para construir camiões, tratores, autocarros (ônibus, para quem me lê no Brasil) e outros veículos comerciais. A firma chamava-se Motor Ibérica, e primeiro construiu camiões sob licença de marcas como a Alfa Romeo, Massey Ferguson, Jeep e outros. Em 1979, foi parcialmente comprada pela Nissan, e em 1987, quando a Espanha aderiu à então CEE - agora União Europeia - a Nissan ficou com cem por cento do negócio, fabricando os seus tratores, eles que são os donos da Kubota. No inicio dos anos 90, a marca desapareceu completamente. 

Isto, até 2021. 

Nessa altura, a marca foi adquirida pela Spanish EV Motors, e dois anos depois, anunciou que iria regressar, com SUV's, numa aliança com a chinesa Chery. Adquiriram uma fábrica em Barcelona, onde os jipes chegam á Espanha em CKD - Complete Knock Down - para serem montados nessa fábrica e serem comercializados como Ebro. Basicamente, o que vendem são Chery Tiggo 7 e Chery Tiggo 8 como Ebro S700 e Ebro S800.


Mas este ano decidiram ser diferentes, quando deixaram o CKD para construir ali, em Barcelona, os carros, sem importações de espécie alguma da China, para se precaverem de eventuais tarifas por parre da Europa ou dos Estados Unidos. O investimento será elevado: 400 milhões de euros até 2029. E ainda por cima, com essa marca, decidiram entrar no automobilísimo para participar no Dakar de 2026 com um protótipo seu. 

E se acham que é único, enganem-se: a Santana decidiu seguir o mesmo caminho. E esses sabem uma ou duas coisas sobre jipes. 

A Santana surgiu em 1956 como uma metalomecânica em Linares, na região de Jaen, na Andaluzia. Em 1961, passou a construir Land Rovers sob licença, com o nome "Land Rover Santana". Isso foi suficiente para, por exemplo, o exército e a Guardia Civil ordenarem encomendas para as suas forças, uma importante encomenda. Em 1985, fizeram uma aliança com a Suzuki para que fabricassem alguns modelos com a placa Santana. O Vitara e o Jimny foram alguns dos modelos que em Espanha eram vendidos como "Santana".

Contudo, em 2001, a Junta de Andalucia comprou a marca e tentou salvá-la, construindo um modelo autónomo, sem sucesso. Mesmo com um acordo com a Iveco, no final de 2010, decidiu-se se a Santana seria dissolvida ou não. A maioria dos trabalhadores resolveu que ela seria extinta e assim aconteceu, no inicio de 2011. 


Mas, como a Ebro, ressuscitou. Em 2025, em associação com a Zhengzhou Nissan, a divisão chinesa da marca japonesa, e a Anhui Coronet, decidiram reconstruir a fábrica de Linares, um pouco como fizeram com a Ebro: um CKD, para depois construírem as suas marcas de raiz, vendendo os Santanas como "rebranding" das marcas chinesas. Para além disso, como a Ebro, decidiram montar uma equipa para o Todo-o-Terreno, para correr no Dakar de 2026. Por agora, está tudo no inicio, mas tudo indica que estão a seguir os mesmos passos da Ebro. 

Para além disso, há fortes rumores de que a BYD, a fabricante chinesa de automóveis elétricos, poderá instalar a sua terceira fábrica na Europa em terras espanholas. 

Quem conhece a história dos automóveis em Portugal, fico a pensar em marcas que existiram por aqui como a UMM e a Portaro. Esta ultima era a montagem de todo-o-terreno de carros vindos da Roménia, a Aro. Mas se alguém por aqui deve ter sabido das noticias vindas de Espanha e o que querem fazer com a Ebro e agora, com a Santana, fico a pensar o que aconteceria se alguém tivesse a mesma ideia para a UMM ou a Portaro. Especialmente a primeira, que tem muita tradição desportiva no todo-o-terreno.

Se acontecerá? Não estou a ver nada a mexer-se nesse sentido. Mas com a quantidade de marcas na China, eles mesmos sabem que ter um pé na Europa ou nos estados Unidos seria a sua maneira de sobreviver num mundo que, inevitavelmente, irá encolher por causa das leis da oferta e da procura.        

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