segunda-feira, 27 de abril de 2015

Quem colocaríamos numa competição feminina? (Parte 3)

Nestas últimas semanas onde se discutiu sobre a condição das mulheres no automobilismo, mais concretamente na Formula 1, chegamos à conclusão de que elas são poucas e a sua qualidade é baixa. Ou se preferirem, nenhuma delas consegue ser boa a suficiente para se conseguir destacar entre os homens. E da minha avaliação pessoal, apenas duas ou três conseguem estar a par deles e por vezes superá-los. A suiça Simona de Silvestro e a americana Danica Patrick são duas pilotos, e ambas andam nos Estados Unidos a provar isso, e há potencial de crescimento em outras pilotos como a inglesa Alice Powell e a holandesa Beitske Visser. Aliás, esta última andou na academia de pilotos da Red Bull, em 2013.

Mas a parte chata é que mulheres piloto são uma gota num oceano, e encontrar talento no meio delas é mais raro do que encontrar metais preciosos. E precisamente quarenta anos depois de Lella Lombardi ter pontuado pela primeira - e única vez - na história da Formula 1, resta ver o que falta para que mais mulheres "dêm o salto" e mostrem que valem e pena competir entre eles, ou será que a ideia de uma competição só para elas, segregada e separada dos homens, é a solução ideal. Durante este tempo, descobri algumas matérias sobre este tema, como a que o Renan do Couto escreveu para o site Grande Prémio, ou então, outra matéria, esta da CNN americana, sobre o mesmo tema.  

É verdade que não há mulheres a entrar numa grelha de Formula 1 desde 1976 - com a mesma Lella Lombardi - e não há tentativas desde Giovana Amati, em 1992, mas falamos de tempos onde era bem fácil guiar um carro de Formula 1. Mesmo sem ter muito talento, um bom patrocinador seria mais do que suficiente para que um piloto tivesse acesso a uma boa máquina. A March, por exemplo, era uma equipa que fazia os seus chassis e os vendia ao melhor preço. E os pilotos mais talentosos ficavam na equipa oficial, como Vittorio Brambilla, que graças à firma de utensílios mecânicos Beta, tinha o seu lugar garantido. E no caso de Lombardi, a firma de cafés Lavazza fazia o truque.

Mas essa parte dos patrocínios não é justificativa para nada, como sabem. A discussão ganhou maior enfoque graças aos anúncios de pilotos como Susie Wolff e Carmen Jordá como pilotos de testes e de "desenvolvimento" em equipas como Williams e Lotus. Aliás, quando se colocou a chance de Valtteri Bottas não correr na Malásia, a marca de Grove apressou-se a desmentir a chance, afirmando que Wolff era apenas piloto de testes e não terceiro piloto da marca. E isso foi dito por... Claire Williams. Não só a filha do tio Frank, mas agora, em conjunto com Monisha Kalternborn, uma das poucas mulheres em cargos dirigentes na categoria máxima do automobilismo. 

E curiosamente, em termos de campeonato feminino, ambas de colocaram em lados opostos da bancada: Wolff era notoriamente contra, enquanto que Jordá era a favor.

"Definitivamente, não é a maneira certa de agir. Primeiro de tudo, não sei onde você vai encontrar um grid cheio de pilotas que sejam boas o bastante. Em segundo lugar, corri toda minha carreira no automobilismo como uma competidora normal. Por que eu me interessaria por uma corrida onde eu esteja competindo apenas contra outras mulheres?", começa por perguntar.

Wolff (ex-Stoddart) afirma nessa reportagem do Grande Prêmio que o grande problema têm a ver com a preparação das pilotos: "Sempre vejo as meninas nas categorias menores e tento ajudá-las. Elas precisam de uma preparação melhor. O nível é alto, e sei que posso ser um exemplo também" começa por afirmar. “É claro que não tenho tanto tempo para acompanhar o quanto gostaria, por causa do meu próprio trabalho. Mas eu sei exatamente onde estão e o que estão a passar. Eu leio todos os e-mails e todas as mensagens que eu recebo – e são muitas –, eu respondo a todas. Eu tento passar um pouco da minha trajetória, da minha experiência, contar os erros que eu cometi. E um dos grandes problemas – e que afeta a todos neste desporto – é a questão do patrocínio também”, concluiu.

E entre os que defendem o tal campeonato feminino, Carmen Jordá aponta o exemplo de outros campeonatos para justificar tal coisa. "Por que no tênis ou noutros desportos, por que no futebol, você tem campeonatos separados e não no automobilismo?" questiona numa entrevista à CNN. "Nem todo mundo olha para aqui dessa forma, você sabe? Naturalmente, um homem é mais forte que uma mulher, então, obviamente, se nós estamos a competir contra eles, nós não estamos aqui para vencer corridas", concluiu.

A questão dos patrocínios é um problema transversal, de facto. E ainda por cima numa modalidade onde a fasquia está muito alta, como é a Formula 1, onde metade dos pilotos chega lá através de uma mala bem recheada de dinheiro - basta pensar nos 50 milhões que Pastor Maldonado traz para a Lotus ou os 40 milhões de euros que Felipe Nasr e Marcus Ericsson levaram para a Sauber - imaginem como seria uma mulher a atrair patrocinios para a sua carreira. Daí muitas vezes elas venderem a sua imagem para eles. E se não forem bonitas, então...

Nesse campo, há casos de sucesso. À Danica Patrick nunca faltará publicidade, e os americanos vendem muito bem uma coisa dessas. E ela é agora uma dos nomes mais reconhecíveis da NASCAR, neste momento. Nesse campo, dinheiro ou mediatismo não faltarão. Mas para o resto, as coisas são bem mais complicadas. E foi a falta de patrocínios que impediu Simona de Silvestro tentar a sua sorte na Sauber.

Mas voltando atrás na questão sobre um campeonato separado ou apoiar as mulheres nas categorias de base, também há outro problema premente: a cultura automobilística. E aí, elas estão claramente em minoria, como conta a Bia Figueiredo, que agora está na Stock Car brasileira. 

Culturalmente, as mulheres não gostam de velocidade. E não sei explicar a razão. O número de meninos é bem maior. Muitas vezes as meninas até gostam, mas não tem o apoio necessário e a aprovação da família. E isso precisa ser incentivado. Precisamos mostrar que há uma igualdade, mostrar que não é um esporte só de homens. E nada melhor do que dar a resposta na pista.”, começou por dizer na entrevista ao site Grande Prêmio.

A Susie está lá na Formula 1, mas ela ainda é piloto de testes e tudo mais. Mas seria altamente interessante ter uma garota competitiva lá também, sendo a Formula 1 a categoria top do mundo. A Simona, que eu acho que é super capaz, esteve perto, mas não deu certo. Chega lá, também, não tem ninguém que apoie e que ajude. Acho que há meninas, sim, no esporte, mas elas precisam ser preparadas, com trabalho sério, para que elas consigam chegar ao nível de desempenho que a Formula 1 exige, para competir em igualdade de condições”, acrescentou.

Apesar das questões pertinentes, algumas dessas respostas têm resposta fácil. Muitas não aceitariam porque acham que é uma forma de descriminação, e mesmo a existir uma competição separada, há outra coisa do qual não está resolvida: a questão da igualdade. Um grande exemplo é o ténis, que luta há muito tempo para que as organizações dos torneios comecem a providenciar "prize moneys" iguais aos dos homens, algo que ainda não acontece. Em muitos casos, incluindo nos "Grand Slams" a vencedora de um torneio ganha menos vinte por cento, em média, do que o vencedor do torneio masculino.

E neste século XXI, as mulheres tem mais consciência de que querem lutar por maior igualdade. “Criar um campeonato só para mulheres seria diferenciar as mulheres dos homens”, opinou a espanhola Maria Herrera, piloto de Moto3. “Acho que essa mudança baixaria o nível da competição”.

Então e uma terceira via, como por exemplo, quotas? Como sabem, não há muito tempo, Bernie Ecclestone andou a chatear as equipas para que colocassem mais um carro na grelha para colmatar a sua falta, após a saída de cena da Caterham e os problemas da Marussia, agora Manor. Elas, como é óbvio, rechaçaram a ideia devido aos custos de colocar mais um carro na grelha. Eric Boullier falou até que colocar mais um carro, acompanhado da respectiva equipa técnica, representaria um investimento de 15 milhões de euros.

Mas reavivar a ideia, colocando mulheres piloto no lugar? Com dez equipas, e aquela lista do qual viram anteriormente, servia perfeitamente, pois existem mulheres suficientes para tal. Seria interessante ver Simona na Mercedes, Danica na Ferrari ou Beitske na Toro Rosso, para não falar de Carmen e Susie. Mas há um grande problema: pelo menos no curto prazo, as chances de elas pontuarem seriam bem pequenas. Não se pode dizer que não aconteceria, mas seriam escassas as chances de ver uma mulher no pódio. E para piorar as coisas, não faltariam críticos que afirmariam que as mulheres estariam a tirar a chance de evolução de jovens pilotos, bem como teriam mais chances de triunfar que um jovem rapaz vindo das categorias de base.

Assim sendo, mesmo a chance de uma quota feminina na categoria máxima do automobilismo teria os seus contras. E nem todas as mulheres seriam magnetos publicitários garantidos. Teriam de ter excelentes equipas nesse sentido.

Mas depois, pensando bem, indo atrás na história, não há muito tempo tinhamos a mesma discussão sobre pilotos africanos ou negros no automobilismo. Não os encontrávamos, ou eram bem raros, e durante algum tempo, teriamos de ir à IndyCar para os encontrar, em exemplos como Willy T. Ribbs. Mas um dia surgiu Lewis Hamilton e a discussão acabou. E como isso aconteceu? Simples: ele teve toda uma equipa a apoiá-lo.

E se calhar, é esse o segredo: trabalhar, preparar um piloto para o longo prazo. A carreira de Lewis foi apoiada desde o inicio por Ron Dennis e pela McLaren, que o colocou nas melhores equipas nas categorias de acesso, que o preparou para as exigências do automobilismo, desde o karting, teve bons conselheiros como o pai, Anthony, e quando chegou, arrasou: quase foi campeão na estreia, sendo o melhor "rookie" de sempre da história da Formula 1, batendo até um recorde que pertencia a outra lenda do automobilismo: o escocês Jackie Stewart.

Outros pilotos como Hamilton estão a caminho, como o britânico Jann Mardenborough, que é apoiado pela Nissan, depois de ter sido descoberto pela GT Academy, está na GP3, ou então o angolano Luis Sá Silva, que no ano passado esteve na GP3 pela Carlin. Mas as mulheres-piloto têm de olhar para o exemplo de Hamilton como algo que pode ser replicado, e de uma certa forma, é isso que as mulheres identificam como um aspecto que tem de ser melhorado. Isto, para que as pessoas não digam que a solução seja discriminar ou criar uma categoria à parte, onde homens e mulheres compitam separadamente.

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