Ontem, depois de ter reagido ao artigo da Serena sobre os dezoito anos aquele Grande Prémio da Austrália de 1993, onde Alain Prost e Ayrton Senna correram juntos pela última vez, lembrava-me, enquanto escrevia o meu artigo sobre essa data, que tinha na minha biblioteca particular o anuário do Francisco Santos sobre essa temporada e sobre esse Grande Prémio, tão marcante em termos simbólicos por tantos motivos.
Assim sendo, mal tive a oportunidade, decidi resgatar o livro e transcrever para aqui o que foi escrito nessa altura, as declarações dos pilotos e aquilo que se esperava para a temporada de 1994, pois acho que é importante, mesmo para nós fazermos o nosso descernimento sobre aquilo que se falava e aquilo que sabemos agora.
Primeiro que tudo - e um pouco na continuação do artigo de ontem - andei a ler os relatos desse GP australiano. As choradeiras de Senna quando se despediu de Jo Ramirez, uma das lendas da McLaren, e no final da corrida, quando se abraçou a Ron Dennis, depois de ter dado à McLaren a sua última vitória ao serviço da equipa - e da carreira, como sabemos agora. E ainda o "tio Ron" teve a audácia de afirmar: "Nunca é tarde demais para mudar de ideias..."
E depois de se abraçarem, de o colocar no pódio, lado a lado, o homenageando como admirável adversário que o foi, Senna disse na conferência de imprensa, em tributo à equipa que se despedia e tinha ajudado a escrever as suas páginas mais douradas: "O mais importante é guardar os bons momentos que vivemos juntos, e quero agradecer a todos os nossos patrocinadores e a todos os que me ajudaram. Ganhei amigos e o respeito deles. E tenho por eles os mesmos sentimentos, isso é o mais importante. Esta temporada deu-nos um desafio muito duro, que enfrentamos".
Depois, Prost disse o que tinham sido a sua última corrida na Formula 1: "Quando se sabe que enfiamos o nosso capacete integral pela última vez, e que pomos as luvas pela última vez, e que escorregamos para dentro de um cockpit de um Formula 1, é difícil manter a concentração. Hoje esta realmente motivado, queria fazer uma boa corrida. Mentalmente não é nada fácil abordar a nossa última corrida: queremos fazer o melhor possível, evitando ao máximo cometer um erro.
Fiquei feliz por ter subido ao pódio. Claro que teria gostado ganhar, mas foi difícil. Esforcei-me muito para manter a concentração. Paciência: é o fim da história. Depois da bandeirada, na minha volta de arrefecimento, disse para mim próprio que podia suspirar: em treze temporadas de Formula 1, nunca me magoei gravemente!"
No dia seguinte, um artigo escrito pelo jornalista desportivo francês Franoics Reste, no jornal L'Équipe fala sobre o fim da carreira de Alain Prost e a sua interligação com Ayrton Senna, principalmente no seu auge nos temps da McLaren:
"Como nas cédulas de dinheiro, revelando em filigrana o rosto de uma personagem célebre, a carreira de Alain Prost teve sempre a sombra de Ayrton Senna. Desde 2 de junho de 1984, num GP do Mónaco chuvoso que revelara o novo prodígio, o cenário da Formula 1 se articulou à volta destas duas personagens principais, que chegaram ao paroxismo de sua rivalidade em 1988 e 1989, os anos da sua coabitação na McLaren, levados com inteligência, mas pontuados por uma severa rutura.
Durante estes quase dez anos, os feitos de Prost não teriam talvez tido a mesma importância se Senna não existisse, e o contrário também é verdade. Será agora necessário nos habituarmos à ideia de um sem o outro. Como um casal jamais separado. Senna sem Prost, será um pouco D.Quixote sem o seu Sancho Pança.
Se já dá para sentir o vazio que a aposentadoria de Prost vai trazer a partir de 1994, Senna ficará ainda mais orfão que todos nós. Ao volante do seu Williams-Renault, o brasileiro, o último Campeão do Mundo ainda em atividade, vai se sentir bem solitário, mau grado todos esses jovens ainda longe de terem atingido a sua dimensão: Schumacher, Hill, Hakkinen e o nosso Alesi.
A sua caça aos recordes de Prost, notadamente o de vitórias, para o qual já só restam dez sucessos, fará provavelmente sobresair ainda mais a sua ausência do seu alter ego. Senna sabe tudo isso. como homem inteligente e sensível, não pode deixar de pensar nisso no momento em que derramou uma lágrima dpeois da chegada deste emocional GP da Austrália. Este romance que acaba de chegar ao fim com o adeu de Alain Prost, é também um livro que se fecha sobre ele. Na sua nova vida que chega, haverá um pouco da sua juventude que se vai."
Num dia como hoje, em que o mundo inteiro presta tributo a Joe Frazier, a sombra de Muhammad Ali nos seus dias de auge do boxe, em meados dos anos 70, e que se ausentou da vida para fazer parte dos livros de história, recordar aquilo que se falou sobre aquele já distante sete de novembro de 1993 e o que representa esse dia nos dias de hoje, agora que sabemos o final da história, demonstra até que ponto se tornou importante.
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