Por estes dias, a Nova Zelândia comemora a primeira vitória de Hayden Paddon, piloto da Hyundai que conseguiu resistir aos ataques de Sebastien Ogier e subir ao lugar mais alto do pódio no Rali da Argentina. Contudo, muito antes de Paddon, a Nova Zelândia teve o seu herói nos ralis que foi um dos maiores na Oceania, e fiel à Subaru. Vencedor por várias vezes de campeonatos nacionais e regionais, era presença frequente no Mundial de Ralis, fazendo performances dignas de registo, sempre num Impreza.
Pelo meio, sofreu um desgosto pessoal que fez repensar tudo, mas regressou aos ralis para poder sair condignamente. Mas o seu fim, numa subida de montanha em 2003, comoveu o país. Hoje falo de Peter “Possum” Bourne, o homem que colocou o seu país no mapa muito antes de Hayden Paddon.
Peter Raymond George Bourne nasceu a 13 de abril de 1956 em Pukekohe, nos arredores de Auckland. Amante da velocidade, um certo dia à noite, quando ia para casa num Humber 80 da sua mãe, sofreu um acidente ao desviar-se de um animal, evitando o seu atropelamento. O animal era um “possum”, uma espécie de roedor, e a lenda desse seu acidente fez com que ficasse com o apelido do animal para a sua carreira.
Começou a correr no final dos anos 70 com um Ford Cortina, acabando no terceiro posto num rali local. O gosto ficou. “Foi nesse momento que decidi tentar a minha sorte e ser um dos melhores neozelandeses nos ralis”, contou anos depois ao site rally.com.au.
Contudo, o seu grande momento foi em 1983, quando conseguiu o apoio da Subaru New Zealand, que lhe providenciou um modelo RX para correr no campeonato nacional. No Rali da Nova Zelândia desse ano, a contar para o Mundial, terminou na sexta posição. No ano seguinte, foi oitavo no mesmo rali, e em 1986, participou em três ralis do Mundial, sendo oitavo no Olympus Rally. Em 1987, Bourne participou em mais três ralis e conseguiu o seu melhor resultado de sempre, um terceiro lugar no Rali da Nova Zelândia.
Com o passar dos anos, e o maior envolvimento da Subaru no mundo dos ralis, Bourne passou a fazer parte da equipa, especialmente na zona da Asia-Pacifico. Em 1990, com o novo modelo Legacy, Bourne foi quarto na Austrália e quinto no seu rali natal, conseguindo assim a sua melhor classificação de sempre, no 14º posto da geral. E no ano seguinte, conseguiu o seu primeiro grande título, o de campeão neozelandês de ralis, num Legacy.
Por esta altura, Bourne tinha como navegador Roger Freeth. Doutorado em Fisica, Freeth já tinha navegado pilotos como Pentti Airikkala ou Neil Allport, antes de em 1987 começar a navegar com Bourne, no Rally RAC britânico. Cedo se tornaram bons amigos, e foi com ele que conseguiu alguns bons resultados no Mundial de Ralis, nomeadamente o quarto posto no Rali da Austrália de 1990. Freeth também era um piloto experimentado, especialmente nos Turismos neozelandeses.
Em 1993, Freeth e Bourne iriam andar juntos nos ralis da Nova Zelândia e Austrália. Na sua terra natal, andaram bem e acabaram na sexta posição, mas a 18 de setembro, no primeiro dia do Rali da Austrália, aconteceu o desastre. O Impreza perdeu o controlo e acabou contra uma árvore, matando Freeth e ferindo Bourne. A recuperação física foi rápida, mas a mental durou algum tempo, pois sentia-se algo culpado pelo acidente que matou o seu navegador e amigo. Talvez por isso ele não tenha saboreado muito bem o seu título no campeonato Ásia-Pacifico desse ano, repetindo a proeza no ano seguinte.
Em 1996, recuperado dos ferimentos e encorajado pela família de Freeth em continuar (a matricula do seu carro de ralis tinha as letras “ROJ” em sua honra), correu no campeonato australiano e vencendo-o. Seria o primeiro de sete títulos seguidos, que continuaria até 2002. Pelo meio, no ano 2000, voltaria a ser campeão no troféu Ásia-Pacifico. E ainda iria haver participações na equipa oficial da Subaru, nos ralis da Australia e Nova Zelândia, sendo quinto classificado na edição de 1999 do rali neozelandês e sexto na edição de 2000 do mesmo rali.
Bourne, por esta altura, já tinha uma legião de seguidores no seu país, e o seu nome ficou indissociado à Subaru. Tanto que a marca lhe deu um carro personalizado para ele, e a sua garagem fazia parte da rede de preparadores da marca asiática.
Em 2003, Bourne iria competir no Grupo N do Mundial de Ralis, e iria participar em sete ralis dessa competição a bordo de um Subaru Impreza WRX. Tinha sido quarto na sua categoria no rali da Suécia, ao lado do seu navegador Mark Stacey.
A 12 de abril daquele ano, véspera do seu 47º aniversário, Bourne estava na sua Nova Zelândia natal para ensaiar no Race to the Sky, um percurso de montanha situado na zona de Dundein no sul do país. Bourne não era estranho ao percurso de 14,5 quilómetros, todo feito em gravilha e com 145 curvas, pois tinha ganho ali em 2001, num Subaru Impreza.
Nesse dia, Bourne guiava um Subaru Forrester para memorizar o percurso quando, numa curva, surgiu um Jeep Cherokee guiado por outro piloto, Mike Barltrop. O choque foi frontal, com Bourne a sofrer graves ferimentos na cabeça. Após dezoito dias nos cuidados intensivos, a família decidiu desligar os aparelhos de suporte de vida, acabando por morrer aos 47 anos de idade.
Dois anos depois da sua morte, o tribunal de Dundein declarou Barltrop como culpado de "condução perigosa" e o multou em dez mil dólares neozelandeses, suspendeu a sua carta de condução por 18 meses e o condenou a cumprir 300 horas em trabalho comunitário.
O legado de Bourne continua forte na Nova Zelândia. Quando morreu, tinha acabado de lançar a sua autobiografia, e depois disto, a familia e amigos decidiram fazer um fundo para cuidar da educação dosa seus três filhos ainda crianças, e existe um Possum Bourne Memoral Rally, que se realiza todos os anos na sua Pukekohe natal. A partida é feita na praça principal da cidade, onde está instalada uma estátua do piloto.
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