Circuito de Thuruxton, alguns dias mais tarde.
Um camião verde estava ao lado da pista, naquela manhã de nevoeiro no Hampshire inglês. Quase secretamente estava escondido por trás da estrutura, quase a esconder-se dos olhares indiscretos. Depois de terem visto que Mondello Park não era viável no curto espaço de tempo, a Apollo decidiu colocar um dos seus carros, que foi usado por Philipp de Villiers na corrida de Brands Hatch, no camião, e pediu a Alexandre de Monforte para que testasse o carro com os tais "pneus secretos" que a Greatyear tinha mandado.
Para isso estava presente um segundo camião. Na realidade, era mais uma carrinha Ford Transit, cheio de pneus até acima. Aparentemente, nada de especial, pois eram todos com sulcos, usados nestas corridas do ano. Mas tudo aquilo era aparência, pois mais escondidos na carrinha estavam os tais "pneus especiais", escondidos dos olhos indiscretos.
Ao circuito chega o Alpine azul metalizado de Monforte, sozinho. Logo atrás vem um Ford Mustang branco com riscas azuis guiado por Pete Aaron, acompanhado pelo homem da Greatyear, um sujeito chamado Nicholas Geffen. Lá na pista já estavam Alex Sherwood, o homem que entendia dos aspectos técnicos da equipa, acompanhados por um conjunto de mecânicos de confiança, e alguns técnicos da marca americana. Já se caminhavam para as nove da manhã e todos olhavam para o nevoeiro que se fazia sentir.
- Esta treta vai-se levantar, não vai? perguntou Alex.
- Claro, é só uma questão de tempo, respondeu o outro Alex.
- Bom, vocês conhecem esta parte de Inglaterra, vocês é que sabem, retorquiu, claramente estremunhado.
- Bom dia, o que se passa? perguntou Pete.
- Nada, não estou habituado a acordar muito cedo, respondeu Alex, o piloto.
- Acordado até tarde?
- Foi mais... deixa para lá, tu entendes, respondeu.
- Precisas de algo?
- Sim... um café negro e um saco de gelo nas partes, resmungou.
Pete riu às gargalhadas e disse:
- Só tu para pores toda a gente bem disposta, respondeu.
Alex riu-se, e o contágio foi imediato. Depois, Pete fez as apresentações:
- Alex, este é o Eddie Griffin da Greatyear. Eddie, este é o nosso piloto do momento.
- Bom dia Alex, como vai?
- Sentir-me-ia melhor com uma chávena de café quente, obrigado. Para Verão, este tempo não é grande coisa.
- Mas vai melhorar. Garantidamente, respondeu Alex Sherwood.
- Alex, arranjas café?
- Certamente, respondeu. Vem comigo, tens cara de que precisas um.
- Nem digas nada... e um saco de gelo nas partes, ahah! gargalhou, enquanto caminhavam rumo à caravana com a máquina de café.
Um pouco à parte, Pete e Eddie foram para a carrinha Ford Transit com os pneus. Ele tirou duas rodas convencionais, frente e traseira, e mostrou:
- Como podes ver, estas são as tradicionais rodas com sulcos, que se usam em tempo seco. Isto é "standard procediure", como sabes. Mas um dia, andavamos a experimentar uns pneus vindos da fábrica, sem sulcos, num carro da USAC, e ficamos surpreendidos com o que vimos.
- Como assim?
- São velozes. Muito mais velozes do que o normal. Calculamos em três a cinco segundos de diferença em piso seco. Queres ver?
Nick entra para dentro da carrinha e pega num pneu traseiro, com o novo composto. Ele sai da carrinha com o novo pneu e diz:
- Normalmente quando vêm este tipo de pneus, fazemos as ranhuras na pista com uma máquina. E era assim nesse dia. Só que esqueceram-se das máquinas e foram para a pista dessa forma, e os resultados foram espectaculares. Isto tudo foi no inicio do mês passado, em Sonoma, e analisamos os dados. Agora, trouxemos um conjunto deles para a Europa no sentido de os testarmos num Formula 1. Se der certo, iremos fazer novos testes, para os colocarmos em pista em Watkins Glen.
- Para ganharmos o GP dos Estados Unidos?
- Precisamente. Uma equipa americana, num carro americano, com motor americano. O chato é não teres pilotos americanos...
- Nos meus pilotos mando eu.
- O John era um excelente piloto, pena o que aconteceu em Zandvoort... até que ponto esse Monforte é bom?
- Muito.
- E não tens outros?
- Tenho o Teddy.
- Mas é mexicano.
- E então? Tenho o Philipp de Villiers. É sul-africano, ganhou corridas e vem correr conosco nas provas americanas.
- Por acaso é um piloto interessante, eu vi. Então combinamos assim: se o teste funcionar, forneceremos os pneus a vocês em Watkins Glen, em primeiro lugar. Depois faremos a distribuição pelas restantes equipas em 1971, pois pelos vistos, a Danlap pode sair no final do ano.
- Mas isso não é rumor?
- Não creio.
- E a Feinstein?
- Deve ficar. Querem bater-nos, como sempre.
Entretanto, Alexandre de Monforte volta com uma chavena de café a fumegar na mão, enquanto que o nevoeiro começa a levantar-se aos poucos no veloz circuito de Thruxton, preparando o cenário para aquele teste secreto, salvo de olhos indiscretos.
- O que vamos testar?
- Pneus.
- Boa! Vamos a ver se a pista seca logo. Está húmida neste momento, e a aderência ressente-se.
- Ele é de confiança?
- Claro, ele é o nosso piloto!
- Ouve, não quero que a concorrência saiba...
- Não é nada de especial, são pneus sem sulcos.
- Isso é o que tu julgas, Pete...
- O que vocês falam por aí? Pneus sem sulcos? Estão a brincar?
- Não, respondeu Eddie, e provavelmente agarram muito melhor do que os sulcados.
- A sério? Quero ver isso.
Alexandre vê um dos pneus novos, trazidos na carrinha Ford Transit da marca, totalmente lisos. Alex apalpa o pneu com o dedo, para ver até que ponto aquilo é confiável, e primeiro fica intrigado com isso, para depois ficar curioso:
- Bom, então vamos experimentar a coisa? Agora quero ver até que ponto é que isto terá vantagens para nós.
- Vamos sim. Acaba o teu café e prepara-te para entrar no carro.
--- XXX ---
Passados alguns minutos, o Apollo tinha calçados os quatro pneus habituais para seco, com sulcos. Alexandre combinava com Alex Sherwood e com Pete Aaron o esquema que iam seguir naquela manhã:
- OK, vou primeiro fazer dez voltas com estes pneus, a velocidade máxima, para marcar tempos de referência. Depois trocamos para os pneus novos, faço dez voltas ao máximo, marco tempos, e depois comparamos. Mais logo, à tarde, faremos uma simulação de corrida para saber como é que se comportam, que é para saber que diferenças temos, está bem?
- Combinado.
- OK, desejem-me sorte, disse Alex, que colocava o capacete e ia sentar-se no carro.
Alexandre sentou-se, colocou-se confortável, viu um dos seus mecânicos a colocar o cinto de seis pontos, e preparou-se para colocar o carro a funcionar. Quando isso aconteceu, começou a caminhar lentamente para a pista, preparando-se para dar a primeira sequência de voltas, sob pista algo húmida. A sequência foi rápida e sem problemas, e os tempos foram normalmente tomados. Ao fim de quase um quarto de hora, Alexandre regressa às boxes para montar o novo jogo de pneus.
A atmosfera era algo expectante. Os mecânicos colocam um macaco para levantar o carro e colocar os pneus "slicks", que era a denominação que a fábrica dava aos pneus lisos, para contrastar com os pneus secos com sulcos. Após alguns minutos a colocar os novos pneus, e com o sol a entrar paulatinamente na pista, tudo estava pronto para uma nova sequência de voltas. Cautelosamente, Alexandre arrancou dali.
As voltas decorreram sem problemas, mas a partir da segunda volta, Sherwood e Aaron olhavam para o cronómetro e viam até que ponto os tempos baixavam naquela pista, com diferenças em relação ao tempo anterior de três, depois de cinco segundos. Ao fim das dez voltas combinadas, Alexandre encosta às boxes e diz:
- Eu gostei destes novos pneus, agarram-se bem. Muito bem mesmo. E os tempos?
- Vê por ti mesmo, disse Sherwood, mostrando-lhe a tabela.
Alex pegou e viu. Do capacete, consegiu-se ver os olhos esbugalhados de espanto de Monforte, que depois os devolveu e perguntou:
- Tem a certeza que estão certos? É que estes pneus são bombásticos! Quando é que os usamos?
- Em Watkins Glen?
- No The Glen? queria agora! Assim disputava o título.
- E então, são bons? perguntou Eddie.
- Parabéns, fizeram um bom trabalho. Mas quero vê-los em acção numa corrida. Se portarem bem na simulação, temos algo que vai revolucionar o automobilismo de pista. Parabéns.
Eddie sorria. Todos tinham ficado da forma como ele esperava: espantados. Mas o resto do mundo tinha de esperar dois meses para ver aquilo que eles tinham visto naquela manhã de nevoeiro no Hampshire britânico.